Na verdade, o amor

Uns anos atrás, o Family Policy Institute of Washington viralizou um vídeo que expressa bem o caldo cultural em que vivemos. Na gravação, um jovem caucasiano de 1,75m entrevista alguns universitários americanos sobre questões de identidade pessoal. Ele pergunta aos estudantes o que eles diriam se ele afirmasse ser uma mulher – e como todos dizem que aceitariam sua declaração como verdadeira, ele vai acrescentando novos qualificadores. Em dado momento, ele pergunta se aceitariam que ele é uma mulher chinesa, de 7 anos de idade, e com 1,95m de altura – e nenhum deles é capaz de olhá-lo nos olhos e simplesmente dizer que ele estaria errado!

De fato, um dos maiores “pecados” de que uma pessoa pode ser acusada no ambiente cultural de nossos dias é a “intolerância”. Para a sociedade de hoje, as verdades fundamentais sobre o homem, sobre o bem e o mal, e sobre Deus não são mais uma coisa extramental, que existe “fora de nossa mente”, no mundo real, e que vale para todos. Pelo contrário, cada indivíduo constrói sua própria verdade relativa conforme seus desejos, e todas as opiniões devem ser igualmente aceitas – exceto, paradoxalmente, a opinião que nega o relativismo. Se um jovem aceita com firmeza o Credo da Igreja, por exemplo, é taxado de “fundamentalista” e “opressor”, que “não aceita a visão dos outros”.

Além de intelectualmente inconsistente e autocontraditória, esta Ditadura do Relativismo gera um grave problema prático e social: se a verdade é apenas o fruto da vontade individual, torna-se impossível debater racionalmente sobre qualquer assunto importante.

Por outro lado, alguém poderia objetar que muitas vezes as opiniões de alguém vêm associadas a uma carga emocional muito forte – de modo que qualquer questionamento poderia ser percebido como uma agressão. Esta situação pode, de fato, ocorrer, e merece atenção. Há várias maneiras de apresentar uma mesma verdade – e nem sempre é o caso de ser incisivo como aquele “sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da Verdade”. Como dizia em 1937 a seus pares da Academia Brasileira de Letras o antigo Bispo de Cuiabá (MT), Dom Francisco de Aquino Corrêa, “aqui vêm a propósito aquelas duas palavras com que os livros santos definem a ação da Providência no governo do mundo: fortiter e suaviter, as quais bem se podem aplicar ao floreio elegante da dialética, na mão dos paladinos da causa católica: firmeza na verdade, gentileza no defendê-la.

Um grande exemplo desta força suave nas discussões, inspirada na caridade, nos vem de Santo Tomás de Aquino. Quando enfrenta uma questão intelectual, Tomás nunca coloca “tabus” ao que pode ser discutido: até mesmo a existência de Deus entra em questão (Suma, 1.2.3.). E a posição do adversário é sempre veiculada com a máxima fidelidade e robustez – sua versão do Argumento do Mal contra a existência de Deus, por exemplo, é das mais elegantes já formuladas. No entanto, Tomás tinha a clareza de que a discussão não era um caminhar errático e interminável – só é possível progredir quando se tem um destino, uma verdade objetiva a ser procurada.

O verdadeiro amor (em cristão, a caridade) não pode existir separado da verdade: e só é capaz de amar um homem caucasiano de 1,75m quem é capaz de lhe dizer que ele não é uma mulher chinesa de 7 anos de idade e 1,95m de altura.

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