‘Não devias tu ter compaixão, como Eu tive compaixão de ti?’

Jesus propõe a parábola de dois “credores” diferentes entre si. O primeiro era “rei” e tinha direito a “uma enorme fortuna” em face de um “empregado”. Vendo sua aflição, ajoelhando-se e implorando tempo para pagar, “teve compaixão”. Foi além do pedido e perdoou-lhe generosamente toda aquela dívida insolúvel.

O segundo credor era o próprio devedor-perdoado. Não tinha direito a “fortuna” alguma, mas a apenas “cem moedas”. Diante de seu próprio devedor – outro “empregado” como ele – utilizava métodos de cobrança nada gentis: “agarrou-o e começou a sufocá-lo”. Ouviu um pedido idêntico ao que fizera ao rei (“Dá-me um prazo!”), mas não teve piedade e mandou o colega para a cadeia.

Não seria preciso dizer que o rei compassivo, ao saber disso, “indignou-se” e voltou atrás! Mas, ao invés de vender o empregado como escravo – conforme havia ameaçado –, decidiu entregá-lo “aos torturadores”, até que pagasse toda aquela dívida que ele havia se disposto a perdoar. Da extrema benevolência de ignorar o débito, o rei passou a uma severidade proporcional à dureza do “servo mau”.

A parábola pode ser lida como uma explicação aprofundada da oração do Pai-Nosso. Nesta, Jesus também utiliza a expressão “devedor”: “Perdoai-nos os nossos débitos assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). A palavra “débitos” (ofeilēmata) serve também como metáfora para “pecado”/“ofensa”. E “devedor” (ofeilétēs) pode ser interpretado como “ofensor”/“aquele que faz o mal”. O Senhor o confirma declarando, logo após ensinar o Pai-Nosso: “Portanto, se não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará vossos pecados (paraptōmata)” (Mt 6,14).

Somos devedores do Senhor! Dele recebemos todos os bens sobrenaturais: a redenção, a graça, o perdão, a Eucaristia, os dons do Espírito Santo… E também os naturais: a existência, uma identidade, a família, capacidades, a saúde, a inteligência, a memória… Não temos como pagar esta enorme dívida! Mas o maior débito que temos diante Dele são os nossos pecados. Por eles, Cristo morreu na Cruz. Nem mesmo toda a penitência e boas obras do mundo seriam suficientes para cancelar as ofensas da criatura ao Criador, se o Filho de Deus não nos redimisse!

Portanto, o “crédito” que temos com os outros – que são “servos”, como nós – é muito pouco perto dessa dívida incomparável com o Rei do universo! Aliás, todas as reais ofensas que nos fazem são, antes de tudo, ofensas a Deus! É sempre Ele é o maior ofendido, mesmo quando os homens cometem injustiças, roubos, calúnias, homicídios e violências uns contra os outros.

Por isso, não temos escolha: precisamos continuamente pedir perdão a Deus e perdoar aos homens! Estas duas coisas sempre vão juntas! Se não quisermos ter o triste fim do servo mau, Jesus é claro: “É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão” (Mt 18,35); e ainda “Felizes os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).

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