Nossa responsabilidade pessoal diante do racismo no futebol

O esporte é visto, tradicionalmente, como um espaço privilegiado de formação moral, de cultivo das virtudes do caráter. Também a Igreja sempre o viu assim, como bem lembrou São João Paulo II, em um discurso a jovens esportistas em 1980. Também o Papa Francisco sublinha que, no esporte, podemos encontrar beleza, gratuidade e camaradagem.  Na sua mensagem para a abertura da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, salientou a importância do treinamento, do fair play (“jogo justo”, isto é, o esporte praticado de forma ética) e da honra entre os competidores – além de considerar que as competições poderiam ser uma ocasião de diálogo, de compreensão, de enriquecimento humano recíproco.

Infelizmente, a realidade nem sempre corresponde ao ideal, como mostram as manipulações dos resultados de jogos; a violência entre torcidas, que chega a provocar mortes; e os casos de racismo, que voltaram a ganhar destaque recente em mais um episódio envolvendo Vinicius Júnior, o jogador brasileiro do Real Madrid. Os ataques racistas contra ele e outros jogadores de futebol escandalizam, particularmente, porque temos a imagem de uma sociedade cada vez menos racista. De fato, na maior parte do mundo, as leis têm se desenvolvido no sentido de combater cada vez mais o racismo e não permitir qualquer forma de ataque à dignidade da pessoa. Movimentos por igualdade racial parecem cada vez mais atuantes e a sociedade menos conivente com atentados que apresentam implicações raciais.

Esses avanços, contudo, são apenas parte da realidade. Concepções racistas, cultivadas por séculos, continuam a impregnar nossas mentalidades – manifestando-se normalmente como piadas, comentários jocosos ou expressões ofensivas. Na maior parte dos casos, acontecem em âmbitos restritos, nos quais o ofensor se considera impune de medidas legais. Nem por isso deixam de ferir, magoar e criar um ambiente favorável para discriminações – essas sim com implicações objetivas graves.

Grandes eventos esportivos são momentos de catarse coletiva, nos quais os torcedores liberam suas tensões emocionais adquiridas no cotidiano. Podem ser momentos de alegria e euforia na vitória; podem ser momentos de tristeza e frustração na derrota. Essa catarse pode se revelar positiva, pela simples descarga da pressão e pela experiência de pertencimento a algo maior; mas também pode ser profundamente negativa, ao liberar agressividade e violência descontroladas. Nessas ocasiões, lados obscuros de nossa personalidade vêm à tona, exibimos comportamentos que não mostraríamos em público em outras condições. Um pequeno insulto de alguém mais exaltado pode gerar um ataque verbal coletivo e até mesmo gestos de agressão física.

Além disso, o ressentimento e a raiva vêm crescendo em nossa sociedade, que cada vez mais nos exige em termos de desempenho e resultados, e na qual o sucesso parece ser uma condição para a aceitação social – ao mesmo tempo em que vemos o êxito apenas de uns poucos, a exclusão crescente, a corrupção e o corporativismo dos poderosos. Se, em termos legais, a igualdade e a dignidade de todos parece cada vez mais assegurada, em termos psicológicos se procura cada vez mais por “bodes expiatórios” para se descarregar as frustrações.

Leis e ações efetivas contra aqueles que exibem comportamentos racistas são essenciais em todas as sociedades, mas também precisamos de uma educação ao respeito e à solidariedade, responsabilidade de todos nós. Nas palavras do Papa Francisco: “A solidariedade como virtude moral e comportamento social, fruto da conversão pessoal, requer empenho por parte de uma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de caráter educativo e formativo” (Mensagem para o XLIX Dia Mundial da Paz).

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