Em sua recém-publicada 15ª edição do Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo, a Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) oferece um minudente retrato dos desafios e progressos verificados no panorama mundial desde a versão de 2018: da difusão do jihadismo radical na África subsaariana aos auspiciosos encontros inter-religiosos do Papa com autoridades islâmicas, das perseguições a minorias (inclusive não cristãs) na China e Coreia do Norte à depredação e incêndio de igrejas católicas em nosso vizinho Chile. Para nós brasileiros, no entanto, chama atenção, dentre as Principais Conclusões do documento, a difusão da chamada “perseguição educada” (n. 9).
Por este termo, o Relatório se refere à ascensão “de ‘novos direitos’ ou normas culturais, que (…) remete as religiões ‘para a obscuridade silenciosa da consciência do indivíduo ou relega-as para os recintos fechados das igrejas, sinagogas ou mesquitas’” (cf. Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n. 255). Em bom português: as instituições sociais passam a exigir dos crentes – sob pena de sanções que vão desde pressões psicológicas e de grupo até multas e encarceramento – que adotem posturas irreconciliáveis com suas mais profundas convicções religiosas.
Não se trata, rigorosamente, falando, de um fenômeno novo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos garante a todo ser humano a liberdade de manifestar sua religião “pelo ensino [e] pela prática” (art. 19) – porém já há anos que o mero ensino do Credo da Igreja sobre a sexualidade humana vem sendo chamado “discurso de ódio”, ou que a mera prática de invocar a objeção de consciência para evitar envolvimento com situações de aborto vem sendo tida por fundamentalismo. O que se destaca no novo Relatório, no entanto, é que a influência da atual pandemia de Covid-19 no recrudescimento dessas “novas normas culturais, consagradas na lei, [que] resultam em um profundo conflito dos direitos do indivíduo à liberdade religiosa e de consciência com a obrigação legal de cooperar com essas leis.”.
Em muitos países ocidentais (como também no Brasil), o governo vem impondo medidas pretendendo proibir ou limitar severamente o culto público – inclusive na Semana Santa, ou no Yom Kippur judaico e no Ramadã muçulmano. Nos Estados Unidos, por sinal, o Ministro da Suprema Corte Samuel Alito declarou que as limitações impostas à liberdade religiosa atingiram níveis “antes inimagináveis”.
Por detrás destas medidas subjaz a premissa oculta de que o direito de culto seria uma concessão estatal, e não um direito do cidadão – mas convém lembrar que a citada Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece a todo ser humano a liberdade de manifestar sua religião inclusive “pelo culto público e particular (art. 19), e a própria Constituição Brasileira assegura “o livre exercício dos cultos religiosos” (art. 5º, inciso VI).
As situações de crise não deveriam ser facilmente aceitas como justificativa para passar por cima das instituições jurídicas de um país – pois é justamente nestes momentos de tensão que a estabilidade do estado de direito é mais necessária.