Em 31 de março, recordamos os 58 anos do início do regime militar no Brasil. Um período controverso, sofrido e complexo da história brasileira que ainda hoje é arena de debates e discussões. O papel da Igreja, nesse período, também é foco de muitas reflexões. Alguns personagens dessa instituição eclesiástica, nesse período, sobressaíram-se na luta pela redemocratização e pela salvaguarda dos direitos humanos. Dentre tantas figuras, encontra-se o Cardeal Paulo Evaristo Arns, cujo centenário de nascimento celebramos neste ano.
Quando explodiu o golpe militar de 1964, Dom Paulo Evaristo Arns era frade em Petrópolis (RJ). Em sua autobiografia, o Cardeal declara que, com anuência de seus superiores, viajou até Pedro do Rio, distrito da cidade imperial, para inquirir se haveria derramamento de sangue com o avanço das tropas militares de Minas Gerais. Pelas respostas que obtivera dos soldados, concluiu que João Goulart seria deposto e o regime de exceção se instalaria, sem dificuldades.
Após testemunhar o princípio do regime militar, já como Bispo Auxiliar de São Paulo, a experiência de assistir aos encarcerados no extinto Carandiru marcou a defesa que o mais tarde Arcebispo fará dos presos políticos. De fato, para Dom Paulo, a expressão bíblica “estive preso e foste me visitar” (cf. Mt 25,36) gozava de uma implicação concreta. Assim, ele foi um dos primeiros a visitar e constatar as torturas que os frades dominicanos, presos pelo regime, sofreram. Também, inúmeros outros personagens foram por ele visitados, defendidos e postos sob o pálio da justiça que o Cardeal tinha como luminar evangélico.
O Cardeal da capital paulopolitana, inegavelmente, era resistente ao regime imposto. Algumas atitudes por ele protagonizadas atestam sua postura. Basta recordar a celebração em sufrágio do estudante Alexandre Vannucchi Leme, em que ele apoiou e persuadiu o então Arcebispo de Sorocaba (SP), Dom José Melhado Campos, a presidir a celebração eucarística em sua memória. Ou, ainda, o culto ecumênico celebrado em favor de Vladimir Herzog. Dom Paulo, ao lado do Rabino Henry Sobel e do Pastor Jaime Wright, fez dessa celebração um marco da defesa dos direitos humanos e da democracia, no período mais difícil do regime militar.
Na condição de presidente do Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Paulo, capitaneando bispos de todo o estado de São Paulo, denunciou ações praticadas ao longo do governo militar. Em 1972, publicou o documento “Testemunha de paz”. Tratava-se de uma forte denúncia contra o modo arbitrário de algumas prisões políticas e os métodos de tortura utilizados nos interrogatórios. O tom forte do documento, rapidamente se tornou alvo de aguda censura. Dessa mesma lavra, Dom Paulo e o episcopado paulista lançaram, em outubro de 1975, um outro texto intitulado “Não oprimas teu irmão”. O manuscrito, largos traços, era uma ainda mais dura reprovação das posturas dos militares. Tratava-se de críticas sérias, responsáveis dirigidas contra desmandos do regime que revelam o aspecto comprometido do Cardeal de São Paulo com a situação política do País.
Outros diversos exemplos poderiam ser citados para corroborar que o Cardeal de São Paulo tomou postura clara no período ditatorial. Era uma lúcida defesa da liberdade, do direito e da democracia. No nosso tempo, quando tacitamente algumas vozes advogam o retorno do período militar, a figura de Dom Paulo, mormente no seu centenário, nos inspira a gritar contra todo e qualquer sistema de opressão. Mais ainda: nos ensina que, mesmo com inúmeros limites, o regime democrático de direito ainda é um dos mais viáveis sistemas políticos.
Dom Paulo testemunhou em favor da vida, em sua integralidade.
Dom Paulo assumiu o compromisso de ser cristão com coragem e valentia
Comovente ler a história de coragem e coerência de Dom Paulo! Que continue nos inspirando.