O Espírito e a Igreja

A liturgia da Solenidade de Pentecostes nos reporta “ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana”, quando os discípulos estavam reunidos a portas fechadas por medo dos judeus, ocasião em que Jesus entra e lhes deseja a paz. Estavam com medo do que acontecia fora da casa devido à tensão causada pela morte do Senhor, e apresentavam enormes dificuldades em compreender a realidade do túmulo vazio e o testemunho de Maria Madalena e outras mulheres. A paz dita por Jesus é um modo de expressar sua compreensão diante do medo e da desconfiança dos discípulos. É importante lembrar que uma comunidade que não está reconciliada não está pronta para a missão, as brigas internas consomem o tempo e desviam do essencial. Para sair em missão é preciso levar o que a Igreja tem de melhor, sobretudo um testemunho que dê credibilidade e convença as pessoas. 

Jesus sopra sobre os discípulos, dá o seu Espírito para que eles possam incendiar o mundo com o fogo do amor, aquele que perdoa pecados e que prefere os pequenos, pobres e excluídos. Tendo recebido o Espírito, a missão não se tornou mais fácil, os problemas não foram resolvidos, os adversários não foram eliminados; mas a confiança e a harmonia agora presentes na comunidade são suficientes para abrir portas, ultrapassar muros, construir pontes para que o anúncio da Boa-Nova chegue a todos os povos e se cumpra o que escreveu São João: “O que vimos e ouvimos anunciamos a vocês […] para que a vossa alegria seja plena” (1Jo 1,3-4).

O Espírito nos impele para além do que já foi dito e feito, para além do saudosismo de algo que foi bom naquele tempo e para aquelas pessoas, para além de uma fé tímida e cautelosa. O Cardeal Martini, em 2012, afirmou que a Igreja está cansada e, citando Karl Rahner, remeteu esse cansaço à imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Hoje há muita cinza a ser removida e o Espírito nos provoca a removê-las para que as brasas voltem a aquecer o que estava frio, a clarear o que estava escuro.

A comunidade dos apóstolos era formada por pessoas com histórias, habilidades e saberes diversos. A maioria era composta de pessoas simples, habituadas a viver do trabalho de suas mãos, mas também tinha Mateus, certamente dotado de instruções específicas, pois foi cobrador de impostos. Tinha os de origem hebraica, os de origem grega e os que eram de temperamento pacato e os mais ardorosos com ideias e sensibilidades diferentes. Eram todos diferentes. São Paulo diz que “há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito” e “a cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum”. É o Espírito que promove a unidade entre os diferentes e os enriquece de dons para que cada um possa oferecer a sua parte para proveito de todos.

Temos visto com certa frequência pessoas e grupos fechados em suas ideias e eclesiologias, teimando em dizer que são os únicos a estar com a verdade. Estão tentando fechar as portas, desejosos de ser um “cenáculo de medo”, atentando com certa agressividade contra aqueles que pensam, sonham e vivem uma Igreja mais sinodal, participativa, misericordiosa, comprometida com os pequenos, movida pelo sopro do Espírito. O Papa Francisco vê isso com muita preocupação e afirma: “Há a tentação de construir ninhos: reunir-se à volta do próprio grupo, das próprias preferências, o semelhante com o semelhante, alérgico a toda contaminação. E do ninho à seita, o passo é curto, mesmo dentro da Igreja”. Por fim, uma comparação: a Igreja é como um rio. O importante é permanecer dentro dele e, não interessa se porventura se está um pouco deste lado e um pouco do outro, mais à esquerda ou mais à direita, pois o Espírito Santo faz a unidade. O grande perigo é pular fora desse rio e se apossar de pequenas lagoas, que com o passar do tempo acabam secando. A igreja é para todos, como mostrou o Espírito Santo no dia de Pentecostes.

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