O julgamento do STF sobre a presença de símbolos católicos em prédios públicos

Os símbolos religiosos em prédios públicos não ferem a laicidade do Estado, assim decidiram, unanimemente, os ministros do Supremo Tribunal Federal, em julgamento finalizado em 27 de novembro. Significa dizer que a presença de imagens e crucifixos em prédios públicos não desvirtua o princípio da neutralidade estatal em relação às religiões nem a liberdade de crença do cidadão brasileiro. O assunto foi levado à Corte Suprema em virtude do recurso em sede de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, cujo objetivo era a retirada de todos os símbolos religiosos católicos ostentados em prédios estatais com atendimento ao público, sob argumento de que isso causava constrangimento a pessoas ateias e de outras religiões. Os principais argumentos do Ministério Público são: a) sendo o Brasil um país laico, não pode estar vinculado a nenhuma religião; b) a liberdade religiosa não se estende à administração pública, que deve obedecer aos princípios da impessoalidade e não discriminação; c) a presença desses símbolos católicos agride o pluralismo religioso e cultural. A União Federal se manifestou no sentido contrário, trazendo informações sobre decisões no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e de cortes internacionais, no sentido de que tais símbolos representam valores histórico-culturais que formaram as sociedades ocidentais e não representam ofensa à liberdade religiosa e à laicidade do Estado. 

Em seu voto, Cristiano Zanin, o ministro relator, lembrou que, a partir da Constituição de 1934, exceção feita à Constituição de 1937, “o Estado brasileiro amplia o espectro da garantia de liberdade de crença e culto e passa a adotar uma laicidade colaborativa de interesse público com os diversos cultos religiosos”, citando outros países que desenvolveram a neutralidade estatal em forma de cooperação e não intervenção, notadamente a Alemanha. Em contrapartida, menciona a França como modelo de laicismo e anticlericalismo, que promulgou leis de separação absoluta entre Estado e religião, com intuito de eliminar quaisquer traços religiosos do espaço público. O ministro Zanin também afirma que a laicidade no Brasil é do tipo colaborativa nos termos ao inciso I, art. 19 da Constituição federal. O citado dispositivo constitucional veda aos entes públicos estabelecer, subvencionar ou embaraçar cultos religiosos, bem como estabelecer relação de aliança ou dependência com seus representantes; ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Nesse sentido, ele afirma que a Constituição contém outras manifestações desse preceito “de maneira que conformam um arcabouço protetivo à liberdade religiosa em suas variadas expressões, o qual se convencionou denominar de laicidade colaborativa”. 

São muitos os debates na Justiça envolvendo liberdade religiosa e laicidade do Estado, tal como o caso das Testemunhas de Jeová, que não aceitam a transfusão de sangue. O STF decidiu, em 25 de setembro passado, após amplo debate, que as Testemunhas de Jeová, adultas e capazes, têm o direito de recusar a transfusão de sangue e, como consequência, o Estado tem a obrigação de oferecer procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde, ainda que seja necessário recorrer a estabelecimentos em outras localidades. 

É importante dizer que o ser humano é um ser religioso, razão pela qual a laicidade deve ser compreendida como a não restrição de direitos em razão de crença e a não intervenção do Estado e Igreja nos assuntos um do outro, o que não tem nada a ver com a absoluta ausência de relação entre eles ou com o impedimento de manifestações religiosas no âmbito público, o que se entende como laicismo. A antirreligiosidade não é salutar à sociedade nem ao indivíduo, que ficaria obrigado a fazer escolhas entre sua fé e sua conduta social, verdadeira dissociação de sua personalidade. 

Nesse sentido, ao pronunciar sua posição final, o ministro Zanin afirmou que a permanência dos símbolos religiosos nos prédios públicos não deslegitima a convicção do julgador, pois suas decisões não estão fundamentadas em elementos divinos, nem têm o condão de constranger o cidadão a ter, não ter ou deixar de ter uma religião; sendo traços histórico-culturais do País. 

Deixe um comentário