O Kerigma trinitário da misericórdia

Ser na história sinal e instrumento da reunificação escatológica que teve início em Cristo é a missão da Igreja, sempre renovada no banquete eucarístico (cf. Sacramentum caritatis, 31) – isso remete à imagem do banquete escatológico (Is 25,6-8) que inspirou os trabalhos da Assembleia sinodal, pois, como anota seu Documento final (DF do XVI Sínodo dos Bispos, 2021-2024), “a mesa da graça e da misericórdia já está posta”: para vivermos a comunhão que salva, o Espírito suscita o desejo de relações autênticas e vínculos verdadeiros. “Tudo nasce da harmonia e tende para a harmonia […] O sentido último da sinodalidade é o testemunho que a Igreja é chamada a dar de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, Harmonia de amor que se derrama fora de si mesma…” (DF 154). Caminhar em estilo sinodal com base na essência relacional da Igreja faz novas as relações se, ao mesmo tempo, regressarmos ao coração (cf. DF 50s). Pois “só o coração torna possível qualquer ligação autêntica, porque uma relação que não é construída com o coração é incapaz de superar a fragmentação do individualismo” (DF 51; cf. Dilexit nos, 17). O caminho sinodal é relacional e trinitário, no qual a unidade há de ser alcançada desde o coração, segundo a mística pascal da misericórdia. 

A Evangelii gaudium (EG), na elaboração do Kerigma, exorta, primeiro, a “partir do coração do Evangelho” (EG 34s), destacando a onipotência da misericórdia divina; depois, aborda os aspectos pneumatológicos e trinitários do anúncio do Evangelho (EG 110-131) que – hoje vemos claramente – preparam o advento da Igreja sinodal, missionária e misericordiosa. Daí por que a evangelização atual deve corresponder, sobretudo, a esta fórmula: O Kerigma é trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua Morte e Ressurreição, nos revela e comunica a misericórdia infinita do Pai” (EG 164). 

A teologia conhece, no campo litúrgico, o princípio da correlação Páscoa-Pentecostes: na celebração dos sacramentos, a liturgia é perene e simultaneamente páscoa-pentecostes. Quando Jesus derrama o Espírito Santo após a Ascensão, surge a Liturgia celeste, eterna, conforme a última visão do Apocalipse: “um rio de água da vida [Espírito Santo] que brotava do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 22,1). “Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia” (Misericordiae vultus, 25). Por isso mesmo, participando da liturgia celeste, o Domingo da Divina Misericórdia contém e proclama o Kerigma, tornando-se a nascente da oração do coração, caminho por excelência de retorno ao coração. 

O Papa Francisco deu o devido destaque à invocação “Jesus, confio em Vós” (cf. DN 90), e agora é preciso inseri-la na economia da salvação a partir da noção de eudokia (desígnio de amor benevolente, misericórdia), termo que ocorre, por exemplo, em Lc 10,21; Mt 11,26 (os mistérios do Reino revelados aos pequeninos). A exclamação “Sim, Pai!” é o consentimento filial de Jesus na ação de graças. Ele consente e estremece de alegria diante do mistério da eudokia do Pai (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2603). O “Sim, Pai!” de Jesus está no núcleo do nosso consentimento filial ao Amor benevolente e nos faz invocar o Nome de Jesus sob a ação do Espírito Santo (1Cor 12,3), desde a Fonte da misericórdia, como expressão do Kerigma

Este é um caminho sinodal para o terceiro milênio, que conduz do Kerigma à unidade do coração. 

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