O novo direito penal eclesial

O Papa Francisco reformou o direito penal da Igreja, o Livro VI do Código de Direito Canônico, pela Constituição Apostólica “Apascentai o Rebanho do Senhor”, que entrou em vigor em 8 de dezembro de 2021, solenidade da Imaculada Conceição de Maria. Essa reforma já havia sido determinada pelo Papa Bento XVI em 2007, mas não havia sido concluída. No Brasil, as Edições CNBB publicou a nova legislação com comentários e apresentação das fontes para cada cânon.

Historicamente, desde os tempos apostólicos, a Igreja sempre teve regras de conduta que, com o passar do tempo, compuseram um corpo legislativo vinculante para unir o Povo de Deus sob a responsabilidade dos Bispos. Após o Concílio Vaticano II, tivemos um período de negação da utilidade das leis da Igreja, especialmente no que diz respeito ao direito penal.

No entanto, em 1983, o Papa João Paulo II promulgou o Código de Direito Canônico, conforme a eclesiologia de comunhão do próprio Concílio, caracterizando que as leis da Igreja não são exteriores à fé, mas refletem aquilo que professamos. Aqui está a obrigatoriedade das leis eclesiásticas que, a partir da fé, manifestam a justiça e a materna misericórdia da Igreja.

Todavia, com a finalidade de dar unidade à vida da comunidade de fé, as leis da Igreja também estão relacionadas com as mudanças sociais e as novas exigências do Povo de Deus, fazendo com que elas estejam em contínua adaptação às exigências do tempo presente. De fato, a reforma foi necessária para uma ordenada vida eclesial que manifestasse a comunhão e recordasse a necessidade de intervir no caso da sua violação. A caridade, consequentemente, exige recorrer ao sistema penal, tendo presentes os três fins que o tornam necessário à comunidade eclesial, a saber: o restabelecimento das exigências da justiça, a correção daquele que errou (a emenda do réu) e a reparação dos escândalos.

De modo particular, foram tipificados delitos contra os bens eclesiásticos cometidos por grave culpa ou grave negligência na administração. Geralmente, nesse caso, a corrupção se instala em ambientes obscuros e fechados, enquanto a abertura facilitada pela transparência é uma ajuda à compreensão de que os bens da Igreja Católica, sob a responsabilidade de uma determinada pessoa jurídica (diocese, paróquia, comunidade religiosa) pertencem à comunidade católica. Na Igreja, a comunhão não trata somente de ideias ou de bons propósitos, mas principalmente do testemunho evangélico na administração dos bens. No momento histórico em que vivemos, o testemunho de transparência administrativa é uma luz para o mundo e dá sabor à experiência de se viver em comunidade. Ser transparente significa renunciar ao isolamento, à avareza e à corrupção.

As modificações respondem fundamentalmente a três critérios diretivos. Em primeiro lugar, o texto contém uma indicação mais precisa e segura para os Bispos e os Superiores Religiosos que devem aplicar a legislação penal, reduzindo o âmbito da discricionariedade. O segundo critério é a proteção da comunidade e a atenção para a reparação do escândalo e o ressarcimento do dano, ou seja, “não se deve dar a remissão – de uma pena – a fim de que, de acordo com o prudente juízo do Ordinário, o réu não tenha reparado o dano eventualmente causado” (cân. 1361, § 4). O terceiro objetivo que se buscou alcançar com a reforma foi fornecer para os Bispos e os Superiores Religiosos os meios necessários para prevenir os delitos e intervir a tempo na correção de situações que poderiam se tornar mais graves, sem renunciar a quanto se afirma: “a pessoa é considerada inocente até que não se prove o contrário” (cân. 1321, § 1).

Enfim, o delito de abuso de menores é agora colocado como um delito cometido contra a dignidade da pessoa. O novo cânon 1398 compreende então, a esse respeito, as ações realizadas não somente por parte dos clérigos (bispos, padres, diáconos), mas também por religiosos não clérigos e por leigos que ocupam funções na Igreja, assim como eventuais comportamentos do gênero, com pessoas adultas, mas praticados com violência ou abuso de autoridade.

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