O problema do mal

Para sua análise e discernimento sobre o homem e as sociedades, a Igreja sempre teve em conta o problema do mal: “Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da ação social e dos costumes” (Catecismo da Igreja Católica, CIC, 407).

Segundo Bento XVI, “o dado empírico é que existe uma contradição no nosso ser. Por um lado, cada homem sabe que deve fazer o bem e intimamente até quer fazê-lo. Ao mesmo tempo, porém, sente também o outro impulso para fazer o contrário, para seguir o caminho do egoísmo, da violência, para fazer só o que lhe apraz, mesmo sabendo que assim age contra o bem, contra Deus e contra o próximo” (Audiência Geral, 03/12/2008). 

Hannah Arendt constata a banalidade do mal. Não é preciso ser nenhum vilão, um monstro ou um demônio para causar o mal: “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais” (do livro de sua autoria “Eichmann em Jerusalém). A falta de consciência do mal praticado é o que choca a filósofa alemã. 

Esse mal que acossa todo ser humano não pode ser ignorado a quem se dispõe a tratar de justiça, política e educação. Está presente no homem comum, em todo ser humano, a inclinação ao egoísmo e ao orgulho. E, quanto mais envolvido no mal, mais obscurecida fica sua consciência moral: “O pecado arrasta ao pecado; gera o vício, pela repetição dos mesmos atos. Daí resultam as inclinações perversas que obscurecem a consciência e corrompem a apreciação concreta do bem e do mal” (CIC, 1865).

Por outro lado, a razão humana é capaz de vencer o mal, uma vez que tem a capacidade de reflexão e discernimento entre o bem e o mal, o que a Igreja denomina de consciência moral: “Presente no coração da pessoa, a consciência moral leva-a, no momento oportuno, a fazer o bem e a evitar o mal. E também julga as opções concretas, aprovando as boas e denunciando as más” (CIC, 1777). E, ainda: “A consciência moral é um juízo da razão pelo qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai praticar, que está prestes a executar ou que já realizou” (CIC, 1778). Portanto, a consciência moral identifica o mal e dá ao homem a liberdade de escolha.

A consciência, porém, precisa ser formada na verdade para vencer a inclinação ao egoísmo e ao orgulho que trazem a morte e a destruição (cf. CIC, 1783ss.) O mal pode ser praticado por qualquer um que se veja imbuído de um motivo egoísta ou mesmo por preguiça de buscar a verdade. No caso de Eichmann, a justificativa para os crimes nazistas que cometera era o argumento da obediência a ordens superiores, como se isso o isentasse da culpa e escondesse o desejo egoísta de “subir na carreira”.

Segundo o Catecismo, “quando o homem pouco se importa de procurar a verdade e o bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado” (CIC, 1791), a pessoa é culpada do mal que comete. O princípio da caridade, na verdade lançado à luz por Bento XVI, é caminho de formação das consciências para vencer o mal no mundo. O Papa Emérito ressalta a importância de sempre vincular o amor à verdade, pois deixá-lo à margem das mais diversas e contraditórias concepções superficiais o fazem perder sua força impulsionadora. Então, verdade seja dita: praticar o amor ensinado por Jesus “purifica a nossa capacidade humana de amar e eleva-a à perfeição sobrenatural do amor divino” (CIC, 1827), tornando-nos avessos ao mal. Desejemos amar como Deus nos ama! Rezemos: “Senhor, livra-nos do mal e de praticar o mal”. 

Daniela Jorge Milani é mestra e doutora em Filosofia do Direito pela PUC-SP e advogada em São Paulo.

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