O valor da pobreza

O papado de Francisco trouxe uma renovada atenção ao tema da pobreza, desde sua declaração de que desejava uma “Igreja pobre para os pobres”. A inspiração em São Francisco de Assis se tornou ainda mais explícita nas encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti.

O valor da pobreza não é exclusivo dos cristãos. Várias religiões – e até muitos ateus e agnósticos – valorizam uma vida austera, que reconhecem como caminho para a felicidade.

Quanto mais cresce o consumismo, mais evidente se torna a incapacidade de o ser humano se realizar apenas com bens materiais. O antropólogo Marshall Sahlins tornou clássica a imagem da relativa abundância das sociedades tribais de caçadores-coletores em oposição à escassez que permeia nossa sociedade moderna.

Os povos tribais vivem uma pobreza material objetiva, mas configuraram seu modo de vida para essa condição, se satisfazem com o que têm e podem se realizar humanamente com poucos bens. No mundo consumista atual, a pessoa parece nunca ter o suficiente para se realizar, está sempre precisando mais. Em parte, trata-se de uma situação objetiva que vivemos, por nossa dependência aos bens e serviços produzidos pela sociedade industrial. Em parte, trata-se de padrões culturais que não levam em conta aquilo que realmente satisfaz o coração do ser humano.

Na Laudato si’ (LS), Francisco apresenta todo um estilo de vida marcado pela sobriedade, mas cheio de alegria, amor e paz (cf. Capítulo VI). Vale notar, contudo, que esse estilo de vida, para ele, está intimamente vinculado a uma espiritualidade.

Todos podemos nos educar a uma vida mais austera, que poupa recursos do meio ambiente e permite uma redistribuição melhor da riqueza gerada pela sociedade. Essa, entretanto, é uma postura moralista, se não percebemos que uma outra coisa preenche nossa vida – e isso é válido para todos os seres humanos, independentemente de suas crenças.

“A grande riqueza da espiritualidade cristã, proveniente de vinte séculos de experiências pessoais e comunitárias, constitui uma magnífica contribuição para o esforço de renovar a humanidade”, pontua Francisco (LS, 216). O Cristianismo não exalta a austeridade, os sacrifícios, a abnegação e a pobreza como valores em si – tal seria uma posição estoica, mas não cristã.

Dante Alighieri, em “A Divina Comédia” (Canto XI, no Paraíso), diz que São Francisco de Assis desposou a Pobreza porque era a viúva de Cristo. O amor a Jesus era a motivação para ele abraçar a pobreza. Esse amor – que em primeiro lugar é de Cristo para com a pessoa e depois, como resposta, dela para com Cristo – é o que dá sentido ao nosso compromisso, seja com os pobres, seja com a pobreza.

Isso não quer dizer que outros não possam viver o mesmo compromisso, muitas vezes de modo até mais fiel do que nós. Desdenhar da riqueza material em nome de um valor maior é uma tendência inata no coração humano, que transparece tanto na frustração que cerca uma vida dedicada apenas aos bens materiais quanto na capacidade de se alegrar diante daqueles que têm pouco materialmente, mas são ricos espiritualmente.

A questão aqui é a contribuição que os cristãos podem dar aos demais. Contribuição essa que só pode ser entendida como serviço, pois seria mentirosa se fosse vista como superioridade.

Na busca por uma alternativa ao vazio do individualismo e do consumismo, muitos em nossa sociedade buscam uma resposta na militância sociopolítica, no despojamento e na pobreza. A nós, como a Paulo, no areópago, cabe dizer que Cristo é o nome do Deus desconhecido, ao qual adoram por intuição (cf. At 17,23).


Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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