No 1º sínodo da Arquidiocese de São Paulo (2017-2023), a palavra “conversão” já aparece no tema, e, como faz ver Dom Odilo Scherer, “não pode ser esquecida. O sínodo universal também assumiu essa palavra no seu documento final. Sem verdadeira conversão pessoal e comunitária, não conseguimos avançar” (Anúncio, santificação e testemunho, O SÃO PAULO, 10/09/25). Assim, visando à conversão e renovação missionária, emergiu do sínodo particular uma organização pastoral tridimensional: anúncio, santificação e testemunho, cujos pressupostos epistemológicos envolvem os tria munera (função profética, sacerdotal e régia); o chamado “duplo movimento da liturgia”, isto é, a glorificação de Deus e a santificação dos homens (Sacrosanctum Concilium, SC 7; Lumen gentium, LG 34); a natureza íntima da Igreja expressa em um tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos Sacramentos (leiturgia) e serviço da caridade (diakonia) (Deus caritas est 25a).
Tudo em ordem à glorificação, adoração de Deus; por isso, explicou Dom Odilo Scherer que, como povo de batizados, povo sacerdotal, “todos somos ‘testemunhas de Deus’, chamados à santidade e à glorificação de Deus […] São Paulo ensinou que esse é o ‘culto espiritual agradável a Deus’, que todos devemos oferecer a cada dia” (Uma Igreja de batizados, O SÃO PAULO, 13/03/24). Cristo quer continuar seu testemunho e serviço também por meio dos leigos, e a eles “concede parte de seu múnus sacerdotal no exercício do culto espiritual para que Deus seja glorificado e os homens salvos […] os leigos, como adoradores, agindo santamente em toda parte, consagram a Deus o próprio mundo” (LG 34; cf. LG 10; Presbyterorum Ordinis 2).
É a adoração “em espírito e verdade” e, ao mesmo tempo, “a logikè latreía, ou seja, o culto espiritual, santo e agradável a Deus (cf. Rm 12,1), no qual toda a nossa realidade humana concreta é transformada para a glória de Deus” (Sacramentum Caritatis, SC 94). Trata-se da “forma eucarística da vida cristã” (SC 70s), cuja tensão missionária implica o anúncio e o testemunho (cf. SC 84-85). Assim também o Documento de Aparecida, 251, afirma: “Há um estreito vínculo entre as três dimensões da vocação cristã: crer, celebrar e viver o mistério de Jesus Cristo, de tal modo que a existência cristã adquira verdadeiramente uma forma eucarística”.
Em outra vertente, a Dilexi te (DT), primeiro documento do Papa Leão XIV, sobre o amor para com os pobres, põe-se em continuidade com a Dilexit nos (DN; cf. DT 3), citando-a: “Contemplar o amor de Cristo ‘ajuda-nos a prestar mais atenção ao sofrimento e às necessidades dos outros […] fortes para participar na sua obra de libertação, como instrumentos de difusão do seu amor’” (DT 2; cf. DN 171), mas isso – explicitou o Papa Francisco – se se “olhar para o Senhor do ponto de vista da ferida do seu Coração”; pois desta fonte se derramam a graça da conversão sinodal e o serviço da caridade, que se aperfeiçoa nas obras de misericórdia, uma vez que “o apelo do Senhor à misericórdia para com os pobres encontrou a sua máxima expressão na grande parábola do juízo final (cf. Mt 25,31-46)” (DT 28).
As obras de misericórdia são sinal da autenticidade do culto, que nos “transforma” em imagem de Cristo e da sua misericórdia para com os mais fracos (cf. DT 27). Estas palavras de Leão XIV parecem inspirar-se no De civitate Dei, de Santo Agostinho, ao tratar, no Livro X, cap. VI, do culto espiritual (Rm 12,1): “Os verdadeiros sacrifícios são as obras de misericórdia”.
Tal circularidade representa uma hermenêutica sinodal, que, iluminada pelo Doutor da Graça, merece aprofundamento ulterior.