A polarização que nos afeta

No livro “Cartas de Um Diabo a Seu Aprendiz” (Thomas Nelson Brasil, 2017), publicado pela primeira vez em 1942, C.S. Lewis escreve: “Ambas as igrejas, no entanto, têm um ponto em comum – são igrejas partidárias. Acho que eu o alertei anteriormente de que, se você não consegue fazer com que o seu paciente fique longe da igreja, você deverá ao menos fazê-lo ficar profundamente ligado a algum grupo dentro dela”. Esta passagem situa-se na carta 16 de Festusio (diabo) ao seu sobrinho Vermille (aprendiz).  

Este livro, apesar de ter sido publicado em uma época conturbada do século XX, com a ascensão de regimes nefastos para a humanidade, como o nazismo e o comunismo, ilustra um problema muito atual: a polarização que vivemos. Fenômeno mundial que afetou a sociedade e a Igreja, fazendo com que fiéis deixem de enxergar o que é essencial, que é o corpo místico de Cristo, e acabem dando mais relevância a questões secundárias, a grupos que podem ter uma motivação muito mais partidária do que espiritual.

Neste sentido, é necessário recorrer a uma fala do Papa Francisco na qual ele faz menção aos 25 anos da queda do Muro de Berlim: “Rezemos a fim de que, com a ajuda do Senhor e a colaboração de todos os homens de boa vontade, se difunda sempre mais uma cultura do encontro, capaz de derrubar todos os muros que ainda dividem o mundo, e não mais aconteça que pessoas inocentes sejam perseguidas e até mesmo mortas por causa de seu credo e de sua religião. Onde há um muro, há fechamento de coração! Precisamos de pontes, não de muros!” (Angelus de 9 de Novembro de 2014). 

Esta mensagem, proferida pelo Papa, tem um caráter sociopolítico evidente, e, também, um caráter espiritual. Se o corpo místico de Cristo conta com a comunhão dos santos, essas pontes se referem não apenas ao contexto histórico do Muro de Berlim, mas também ao fato de que a Igreja é uma família e temos que saber nos conectarmos ao outro, independentemente da sua forma de pensar ou agir – dando relevância para a espiritualidade da Santa Igreja e deixando de lado opiniões pessoais, que muito interessam a cada indivíduo, mas pouco enriquecem a formação dos cristãos.

Quando Festusio, personagem das “Cartas do Diabo ao seu Aprendiz”, faz referência a um grupo, ele revela o lado mais dissimulado do diabo, pois sabe que tais grupos, apesar de terem um viés religioso, acabam se afirmando pelas afinidades políticas. Fazem com que pessoas entendam a Igreja a partir de um caráter humano e não divino. Assim, muitos acabam se aproximando da Igreja por interesses sociais e não espirituais. 

Também vale trazer a passagem de um livro publicado por Diogo Chiuso, “O que Restou da Política” (Editora Noétika, 2022). No capítulo “A Sociedade do Espetáculo”, ele observa que a polarização chegou a um ponto em que a ideologia de um indivíduo se tornou uma crença inquestionável, ideia que parece bem factível e realista para os dias atuais. No entanto, também é válido a inversão do que é apresentado por Chiuso: quando a crença vira mera ideologia, corrobora o que foi explicitado por Festusio. Se não conseguir afastar o indivíduo de Deus, propõe o diabo, aproxime-o de um grupo com viés político dentro da Igreja, pois este corre o risco de se deslumbrar por questões políticas e deixar de escanteio os verdadeiros valores espirituais.

Infelizmente isso não está apresentado apenas no conto de C.S. Lewis, mas é um perigo que ronda a todos nós, membros da Igreja, seja padre ou leigo, religioso ou ministro…

Arthur Acosta Baldin é ator e professor de teatro nos colégios Oswald de Andrade e Catamarã.

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