De procissões, marchas e paradas

O 8 de junho foi um dia especial para nós, católicos. Foi o dia de Corpus Christi, com muitas procissões pelo País. Em um mundo plural como o nosso, tivemos na mesma ocasião a marcha para Jesus dos evangélicos, e, dias depois, a parada LGBT+. Com relação a esta última, foi notável o silêncio embaraçoso de alguns que aderiram tanto às procissões quanto à marcha, contrastando com o entusiasmo da mídia e do setor de serviços de nossa cidade.

Por que o embaraço? Primeiro, porque são bem conhecidas as injunções bíblicas contra atividades sexuais extramatrimoniais, em especial quando praticadas entre pessoas do mesmo sexo (p.ex., Lev 18,22 e Rom 1,26–27). Ao longo dos séculos, tal rejeição cristalizou-se nos códigos legais e na prática médica, daí o uso da palavra “perversão” para tais atos.

Segundo, por causa da atitude de preconceito e hipocrisia que acompanharam esses desenvolvimentos históricos. De fato, além da zombaria e dos nomes cunhados contra pessoas homossexuais, fazendo com que muitas fossem rejeitadas por suas próprias famílias, tínhamos a hipocrisia de quem ondenava a homossexualidade em público, mas realizava atos extremamente criticáveis no âmbito privado. Hoje, nos envergonhamos disso.

A partir de meados do século passado, a compreensão geral começou a mudar, primeiro com dados científicos a respeito do que é natural e do que não é natural para o ser humano, incluindo um novo entendimento da diversidade e da complexidade da sexualidade humana. A homossexualidade deixa de ser considerada perversão e passa a ser aceita como uma entre tantas possibilidades do humano. Seguiram-se mudanças nos costumes e na legislação, até chegarmos à atual situação do “orgulho gay”.

Por mais que isso seja aceitável entre a maioria hoje, e até por várias igrejas cristãs, não se pode simplesmente passar uma borracha em todo o texto bíblico e no magistério da Igreja. Estes enfatizam a orientação da prática sexual à formação da família e à criação dos filhos. É o mais natural, visto que, como seres sexuados, a procriação se dá com o intercurso entre macho e fêmea (Gn 1,27; 2,24. Mc 10,6-8). Mas evitemos termos como “antinatural”, “aberração” etc. A mensagem do cristão deve ser mais de exortação e menos de condenação.

Sugiro que algo de positivo possa ser dito a partir de outra situação que envolve sexo, quando Jesus diz aos fariseus que as prostitutas os precederiam no Reino dos céus (Mt 21,31). Jesus não estava enaltecendo a prostituição nem revogando as leis antigas sobre os ilícitos na sexualidade. Apenas dizia que a lei do amor é superior a todas as outras. Assim, aqueles a quem condenamos e temos ojeriza podem estar nos precedendo (quem sabe?) no Reino dos céus. O casamento monogâmico heterossexual, antes tão óbvio para todos, já deixou de sê-lo há algum tempo. Cabe agora, então, aos cristãos, dar razões de sua esperança (1 Pedro 15), isto é, voltar a propor às pessoas de nossa época, com humildade e respeito, as razões pelas quais o casamento é o horizonte desejável para o humano.

Eduardo Ribeiro da Cruz é professor titular do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP, tendo graus avançados em Física e Teologia; publicou extensamente sobre o relacionamento entre ciências naturais e fé cristã.

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