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Novo papa, velho desafio

Vatican Media

Duas perguntas, que no fundo eram a mesma, na cabeça de muitos entre os que as formulavam, inundaram os meios de comunicação na última semana: Leão XIV é progressista ou conservador? Ele dará ou não continuidade à linha pastoral de Francisco? As duas perguntas estão equivocadas em seu fundamento – infelizmente, pois muitas vezes eram feitas com boa intenção, motivadas mais por desinformação do que por interesses ideológicos.

O papa, este ou qualquer outro, é progressista ou conservador? Sempre é as duas coisas. Ele conta, acreditamos todos nós, católicos, com um apoio especial do Espírito Santo. Busca progredir lá onde o povo de Deus está com problemas, e conserva a Tradição lá onde é ela que ilumina a realidade. Existem momentos em que muitas coisas precisam ser mudadas, outros em que muitas precisam ser conservadas. Deus dá, para o seu povo, o líder certo para cada momento. Mas seja tempo de mudança, seja tempo de manutenção, quem ler integralmente as mensagens dos papas encontrará nelas tanto elementos ditos “progressistas” quanto elementos ditos “conservadores”.

Leão XIV dará continuidade ao trabalho de Francisco? Não haveria como dar um “cavalo de pau”, voltar atrás na história, fazer com que todas as mudanças e esperanças do período de Francisco desaparecessem por uma simples questão de jogo político na escolha deste ou daquele nome no Conclave. Imaginar tal coisa seria negar a própria intervenção do Espírito Santo na história da Igreja – e até mesmo a lógica interna das instituições, que exige que, para não soçobrarem, mantenham uma certa coerência mesmo em seus processos de mudança. Por outro lado, até as melhores mudanças precisam de um tempo para serem internalizadas pelas instituições, para amadurecerem e se adequarem realmente às necessidades. Leão XIV continuará o trabalho de Francisco, mas de um modo que, inevitavelmente, não será o mesmo de Francisco – e quaisquer tentativas de reduzir este trabalho em termos de “avanço” ou “retrocesso” serão inadequadas para entender o processo em curso.

SINAIS DE CONTRADIÇÃO

Em uma época em que os papas se tornaram personalidades midiáticas internacionais, na qual cada vez mais o rosto do Pontífice se mostra como o rosto mais evidente da Igreja universal, todos os papas têm se mostrado “pedras de tropeço” para nossas sociedades. Escandalizam os fechados em seus próprios esquemas ideológicos, surpreendem os abertos ao imprevisto; são lidos frequentemente de forma esquemática, que busca ocultar a esperança de que o Cristianismo é para todos aqueles que sofrem (e quem, nesta vida, de alguma forma, maior ou menor, não sofre?).

Em um tempo de polarizações ideológicas e políticas, de conflitos que despedaçam países e penetram, de forma maligna, até mesmo no coração da Igreja, Leão XIV se apresenta como um homem dedicado a construir pontes e proclamar a paz que nasce do amor de Deus por nós. Até aqui, esse é o grande tropeço que pode derrubar a cada um de nós: não sermos capazes de superar nossas polarizações, idiossincrasias ideológicas e paixões partidárias – e, então, tornar-nos-emos incapazes de ver a própria maravilha da ação de Deus entre nós! Perderemos de vista a unidade, que é o sinal mais evidente da presença de Cristo no mundo. Não perceberemos que In Illo Uno Unum (“No Único [Cristo] somos um”), conforme o lema do Papa Leão XIV.

A unidade, contudo, não é fruto da mera boa intenção, de uma postura ilusória que não reconhece os conflitos e as contradições. Quando fechamos os olhos para as divergências, acabamos, mais cedo ou mais tarde, não entendendo as razões do outro, escandalizando-nos com ele e gerando ainda mais conflito. A unidade é sempre uma graça, um dom de Deus, a ser pedido com fervorosa oração e autêntico desejo de conversão. Mas ela passa também por um caminho humano de diálogo e entendimento…

O CAMINHO DA UNIDADE

A unidade amadurece na plena compreensão da integralidade da mensagem cristã. O amor gratuito, a caridade, diante dos desafios da realidade, não se detém em função de preconceitos ideológicos ou interesses partidários. Em tudo procura ver a verdade, venha de onde vier. Orientada pela caridade, a inteligência pode buscar com liberdade a verdade em todas as suas dimensões “poliédricas”, como diria o Papa Francisco. Contudo, as leituras parciais da mensagem dos papas – que sempre busca a integralidade do anúncio cristão – gera divisão e desarmonia não apenas na comunidade, mas dentro de nós mesmos. Quantas vezes, não percebemos, em nós mesmos ou em nossos irmãos, uma postura não verdadeira diante dos desafios do real, uma espécie de traição ao amor cristão, que praticamos por nossas paixões polarizadas!

Este é o mesmo grande desafio que todos os papas têm de enfrentar, em nossa sociedade da informação, cheia de desinformação. Comecemos bem com Leão XIV! Procuremos sempre saber o que ele realmente disse, sem nos contentarmos com frases soltas pinçadas pela mídia ou pelos influenciadores midiáticos. Antes de julgar suas ideias em função de nossas simpatias ou antipatias, perguntemo-nos como suas palavras podem nos corrigir e nos ajudar a sermos melhores. Nunca nos esqueçamos de que o Papa sempre terá uma razão espiritual, sempre estará motivado pelo amor de Deus – e quando não percebermos isso, será um desconhecimento nosso e não uma omissão dele. Saibamos que, por mais espiritual que seja sua palavra, sempre nos convidará a nos comprometermos com o bem dos que sofrem, dos excluídos.

A integralidade do amor sempre superará a parcialidade de qualquer ideologia; basta que nosso coração esteja aberto para atender ao chamado do Senhor.

Comentários

  1. Quero registrar minha profunda admiração por este texto do Francisco Borba. A análise é lúcida, equilibrada e oferece uma leitura rica para quem deseja compreender, com profundidade, o papel do Papa Leão XIV diante dos desafios atuais. Ao invés de cair em reducionismos ideológicos, o autor propõe um olhar que honra a complexidade da missão papal e, sobretudo, a ação do Espírito Santo na condução da Igreja. Que possamos, de fato, começar este novo tempo com mais escuta, mais oração e mais desejo de unidade.

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