Muito já se noticiou, já se falou e já se escreveu sobre a tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul em geral, e a grande Porto Alegre em particular. A calamidade sem precedentes deu origem a uma série de imagens, fatos e boatos que levaram a falar de apocalipse climático. Não faltaram sequer as fake news na tentativa de desvirtuar os acontecimentos e desinformar a população, mas sobretudo no uso político da dor e sofrimento de centenas de milhares de pessoas.
A partir das ruínas, escombros e destroços deixados pela fúria das águas, cabe neste momento uma leitura retrospectiva de duas cartas encíclicas do Papa Francisco: a Laudato si’, de maio de 2015; e a Fratelli tutti, de outubro de 2020. Na primeira carta, seguindo os dados e análises dos ambientalistas e estudiosos, o Pontífice alerta para os riscos de uma política econômica que desconsidera o ritmo da natureza. O fato é que a Revolução Industrial, aliada à filosofia liberal, impôs um modelo de produção-comercialização-consumo que tenta elevar à máxima potência a exploração dos recursos naturais, por um lado, e a força de trabalho humano por outro.
Com isso, produção e produtividade se multiplicaram vertiginosamente. Ocorre, porém, que muitos recursos do planeta Terra não podem ser renovados, outros requerem velocidade menos acelerada. Caso a natureza não seja levada em conta, ela se volta contra a humanidade, conduzindo esse modelo de produção a uma atitude antropófaga que devora a si mesmo. Resultado disso são as catástrofes cada vez mais extremadas, tais como estiagens, chuvas, enchentes, furacões, deslizamentos… com seu rastro macabro de perdas e mortes. Somada a inúmeras pesquisas e alertas sobre as mudanças climáticas, as palavras do Papa já faziam prever o que vem acontecendo não só aqui, mas em outras partes do mundo.
A Fratelli tutti, por sua vez, como que dando continuidade à carta encíclica anterior, regozija-se pelo fato de que, se bem-organizadas a produção e o consumo sobre a face da Terra, poderíamos ser todos irmãos e irmãs nessa “nossa casa comum”. Também aqui, o longo pesadelo de tantos gaúchos encontrou eco em todo o País. Aos milhares e milhões, as pessoas se mobilizaram de Norte a Sul e de Leste a Oeste, seja para socorrer diretamente os atingidos com seus animais de estimação, seja para arrecadar produtos de primeira necessidade para os desalojados e desabrigados. Podemos afirmar que as decisões imediatas das autoridades foram potencializadas por uma multidão de voluntários e toneladas de donativos para os flagelados. O Brasil abraçou o Rio Grande do Sul.
Em resumo, se as advertências da Laudato si’ podem ser vistas na imensa destruição causada pela enxurrada, a solidariedade da Fratelli tutti se reflete quando tantas pessoas se irmanam e se movem para ajudar aqueles que tudo perderam do dia para a noite. No primeiro caso, evidencia-se os males que podem nos trazer a devastação e contaminação do meio ambiente; no segundo, a capacidade da população brasileira em abraçar fraternalmente os dramas uns dos outros.