As mudanças aceleradas, contínuas e estruturais no contexto social e cultural têm feito da escolha vocacional e profissional – tão crucial a qualquer pessoa – um grande desafio. O impacto da tecnologia no mercado de trabalho elimina profissões, mas resulta no aparecimento de outras: como decidir por um curso ou formação que capacite para profissões que ainda não existem? A prevalência do ambiente digital na vida cotidiana altera a percepção de si mesmo: como descobrir as próprias habilidades e aptidões, normalmente reconhecidas na relação com a realidade? Diante do mar de propostas atraentes e focadas no presente, enfatizando a fruição efêmera, é possível escutar um chamado ou convite mais profundo, duradouro? Como escolher diante da imensa rede de oportunidades oferecidas, que favorece a liberdade, a autonomia da pessoa e, ao mesmo tempo, a fragiliza e paralisa na sua tomada de decisão?
Resgatar o significado da palavra vocação (do latim, vocare, “chamar”) ajuda a se colocar na posição adequada para enfrentar a questão. Trata-se de um chamado feito não apenas no nível profissional, mas à pessoa em sua totalidade, o qual precisa ser descoberto e igualmente respondido. Esse convite não é produzido pela pessoa, mas vem ao encontro dela por meio das situações concretas da vida, que revelam suas inclinações, capacidades, dons, interesses e os percursos que lhe correspondem. A fim de identificar esse chamado, é preciso atenção a si mesmo, ao modo com o qual se relaciona com as pessoas e com a realidade, de tal forma que a pergunta “O que vou fazer?” gere outras: “Quem sou? Quem desejo ser?”
O ponto de partida para a orientação e discernimento na escolha vocacional é a singularidade da pessoa, seu próprio ser, com suas possibilidades únicas e irrepetíveis. A vocação mais fundamental é a de ser si mesmo, afirmar a própria humanidade em toda sua amplitude, acolhendo e expressando, com seu modo particular, a profundidade de suas exigências de realização. Por isso, a decisão por qualquer caminho vocacional ou profissional deve estar ancorada na afirmação do “quem” a pessoa é e deseja ser: é esse “alguém” que dá consistência e significado ao “que” vai ser realizado.
A descoberta de si, o autoconhecimento, é um processo dinâmico que dura toda a vida. O “eu” se revela e se realiza no encontro com o outro: diante de um “tu”, a pessoa se reconhece, encontra a si mesma e verifica que seu ser é dirigido a algo ou Alguém que está fora ou além dela. Não é possível a descoberta e realização do “eu” sem a presença e o relacionamento com o “tu”.
É nesse espaço de diálogo e relacionamento que o ser pessoal se constitui, se revela e se realiza. Nesse sentido, podemos entender a provocação feita pelo Papa Francisco na Vigília de Oração para a Jornada Mundial da Juventude em 2017 (lembrada no documento final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”): “Podes passar a vida inteira a questionar-se quem és. Mas a pergunta que deves colocar é esta: ‘Para quem sou?’”
Quanto mais o jovem reconhece e aprofunda as características de seu ser pessoal, aventurando-se a dizer “eu” diante de suas circunstâncias, mais será capaz de decidir num contexto em contínua transformação. Atualmente, colocar-se seriamente a pergunta sobre a vocação é um desafio e uma aventura fascinante. A proposta é “receber a vida como ela vem, abraçar a vida como é”, como diz o Papa Francisco, sem renunciar ao anseio natural do coração que é feito para um “mais”, que guia até encontrar a “rota capaz de satisfazer sua sede de felicidade”. (Mensagem pelo Dia das Vocações 2019).