O Direito à Vida

Recentemente, tive contato com duas obras que tratam direta ou indi­retamente dos inícios da vida humana, contando com o que há de mais recente na pesquisa científica a respeito. A pri­meira, do filósofo Jonathan Birch, tem como título The Edge of Sentience. Risk and Precaution in Humans, Other Ani­mals, and AI (O limiar da senciência; risco e precaução em humanos, outros animais e seres de inteligência artifi­cial), publicado pela renomada Oxford University Press no ano passado. Ela trata da senciência, a propriedade dos organismos de sentir o que lhes afeta. Esta propriedade está de alguma forma ligada à consciência, tema do artigo do neurocientista que estuda o desenvol­vimento fetal Joel Frohlich, “Quando que a primeira centelha da consciên­cia humana se acende?” (29/12/2024), disponível em https://psyche.co/ideas/ when-does-the-first-spark-of-human­-consciousness-ignite.

Birch conta que, até o início dos anos 1980, não se usava anestesia em recém-nascidos porque se julgava que eles não sentiam dor, estando esta asso­ciada à consciência. Pesquisas mais re­centes questionaram esse entendimen­to racionalista de consciência, focando, pelo contrário, na senciência, que hu­manos e animais compartilham. Em ambos os casos, surge a pergunta até onde devemos recuar no processo de desenvolvimento humano para o iní­cio da atitude de precaução (cuidado com o ser em questão). Isso toca di­retamente a questão do aborto, como reconhecem os autores. É certo que aqueles que pensam que a senciên­cia implica um direito à vida devem sentir-se pressionados a chegar a uma visão consistente sobre animais não humanos e fetos humanos. Os que defendem o direito ao aborto sus­tentam que a senciência não implica nem consciência nem personalidade, e, além disso, o direito da mulher ao regramento do próprio corpo deveria prevalecer. Mas tanto Birch quanto Frohlich não entram no mérito do de­bate público.

A candidatura à senciência huma­na começa cedo, a partir do início do segundo trimestre de gestação. Essa linha pode se mover conforme novas evidências surgem, mas deve sempre rastrear a estimativa mais primitiva, cientificamente confiável e baseada em evidências. O ponto em que um feto humano se torna senciente não é o ponto em que o aborto, para os que o defendem, se torna moralmente inad­missível. Para os autores, devemos se­parar essas questões. A ética do aborto dependeria principalmente de questões de personalidade e autonomia corpo­ral, não de questões de senciência.

De fato, no desenvolvimento do feto noções como de personalidade, direi­tos, autonomia, senciência e consciên­cia estão subordinadas a uma mais fun­damental, a de vida humana. Quando esta começa? As pesquisas científicas acima indicam que o desenvolvimento fetal é um todo contínuo, e eventuais etapas são escolhas feitas pelo consenso científico e pela consciência de todos os envolvidos. E é pelo princípio de precaução e pelo respeito à santidade da vida que a Igreja fala com firmeza: a vida começa na concepção! Qualquer outro momento é fruto do arbítrio do interesse de adultos que veem a nova vida que se inicia como um fardo.

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