O rosto do pobre, espelho do rosto de Cristo

Característica relevante da Doutrina Social da Igreja (DSI), ao longo dos tempos, consiste em olhar não tanto os números e tabelas, e sim os rostos dos mais pobres, excluídos e vulneráveis. Não que as estatísticas sejam superficiais para uma análise sociológica séria e profunda. Pelo, contrário, na prática da evangelização, precisamos contar com uma visão historicamente contextualizada, seja ela do ponto de vista conjuntural ou estrutural.

A visão do Bom pastor, entretanto, concentra-se de modo particular sobre as feridas e cicatrizes daqueles que vivem na carência e na penúria. Semelhante modo de atenção nos remete à abertura da constituição pastoral Gaudium et spes do Concílio Vaticano II: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos discípulos de Cristo” (GS, nº 1).

Mas nos remete, especialmente, ao texto do Juízo Final, no capítulo 25 do Evangelho segundo Mateus. Comparecem aí os rostos dos indefesos, espelhados na face do próprio Cristo: famintos, sedentos, estrangeiros, nus, doentes e prisioneiros. Lucas, de seu lado, apresenta ao mesmo tempo a lista dos bem-aventurados e dos que são advertidos, respectivamente, de um lado, os pobres, os famintos, os que choram, os perseguidos; e de outro, os saciados, os que agora riem e os que são julgados como benditos (Lc 6, 20-23).

O documento conclusivo da III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, por sua vez, ao colocar em relevo “a situação de extrema pobreza” deste subcontinente, faz desfilar “as feições sofredoras de Cristo, o Senhor”: crianças, jovens, indígenas, camponeses, operários, desempregados e subempregados, marginalizados urbanos e anciãos (Doc. Puebla, nn. 31-39). No Documento de Santo Domingo, os bispos também procuram “descobrir nos rostos sofredores dos pobres o rosto do Senhor” (Doc. Sto. Domingo, nº 178).

Esse método evangélico e pastoral de fazer emergir do submundo, dos porões da sociedade e das periferias urbanas as feições dos indefesos e vulneráveis, reaparece no documento da V Conferência do mesmo Episcopado, realizada em Aparecida, em 2007. No subtítulo Rostos que doem em nós, os bispos acrescentam às listas precedentes o rosto das pessoas que vivem em situação de rua, os migrantes, os enfermos, os dependentes de droga e os encarcerados (Doc. Ap. nn. 407-430).

Igual pedagogia voltada para quem sofre as maiores penas, de resto, está sempre presente no olhar do Jesus de Nazaré. Desnecessário sublinhar que ela mergulha suas raízes na experiência do Êxodo, momento fundante do Povo de Israel. Ihaweh é o Deus que vê a miséria, ouve o clamor, conhece o sofrimento, desce para libertar da escravidão e envia seus profetas (Ex 3,7-10). Os cinco verbos, ver, ouvir, conhecer, descer e enviar, revelam um Deus atento, sensível, solidário e compassivo para com a real situação de seu povo oprimido. Daí seu grandioso projeto salvífico que haverá de perpassar todas as páginas do Antigo e do Novo Testamentos, além dos princípios da DSI.

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários