“Ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: ‘De toda árvore do jardim, comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás’”. (Gn 2,16-17). Deus nos criou em liberdade e estado de verdadeira felicidade. E o que fazemos com elas? São Francisco de Sales perguntava: “Foi dado ao coração humano a capacidade de amar, mas o que amar?”.
O que estamos fazendo com essa capacidade inalienável ao ser humano, a liberdade? Ela traz a ação e a realização. Em contraposição a ela, estão a dúvida e o medo. E o primeiro medo do qual temos conhecimento quanto aos ensinamentos cristãos é o medo de Adão: “O Senhor Deus chamou o homem: ‘Onde estás?’, disse ele. ‘Ouvi teu passo no jardim’, respondeu o homem; ‘e tive medo porque estou nu, e me escondi’”. (Gn 3,8-10)
Quando Adão se viu nu, escondeu-se no jardim de delícias em que ele morava, lugar expressamente preparado por Deus para sermos felizes, como nos ensina a Suma Teológica. Ao percorrermos os capítulos do Gênesis, detendo-nos mais profundamente na justificativa de Adão, percebemos que o seu medo tomou o lugar do temor – bom e salutar – a Deus, princípio da sabedoria.
O medo da reflexão atrasada, medo tardio. Diante de nossos limites, de algo novo ou do mundo, nós nos escondemos da presença de Deus. Ora, o reflexo desse medo não nos leva à superação. Impede o refletir condicionado à oração. O medo do futuro é um legado que herdamos. Sempre que temos dúvida, temos medo e nos paralisamos. Assim como o primeiro ser humano a tentar se esconder de Deus, repetimos a sua ação sempre que sentimos medo do desconhecido. Nós nos enganamos e fugimos de Sua face. A dúvida ou o medo nos impede de viver. Como vamos agir, desenvolver nossos talentos, se estamos escondidos ou estagnados sentindo medo? Uma humanidade inteira quedada, interrompida pelo medo veiculado por órgãos de transmissão de notícias. Uma narrativa malformulada sobre a queda do homem, fundamentada nas incertezas do amanhã.
A história segue apregoando que foram tecidas túnicas para Adão e Eva. Deus não abandona a sua criação. Em contrapartida, o amparo do Pai toma lugar na cena. Diante da nudez do filho, Deus tece roupas. Ele nos reveste de força e dignidade. Cabe a nós realizarmos a nossa parte, o nosso trabalho no mundo – conjunto perfeito e grandioso da obra divina. O que nos move? O uso dessa vestimenta suprime a dúvida, o medo e o esconder-se da vida. A virtude é justamente essa vestimenta que devemos usar: a liberdade de agir mesmo que isso exponha nossa fragilidade.
Agir com liberdade e imprimir em tudo esse amor que nos foi revelado: isso deve nos mover. É a ordem no amor, do qual fala São Francisco de Sales.
O medo de Adão é o melhor sinal para compreendermos essa nudez e medo contemporâneos. Na justa medida entre o medo do que está por vir e a resolução de problemas à luz da fé, podemos meditar sobre a liberdade para agir, que o Espírito Santo nos deixa na infalível ciência de Deus. A pele com que Adão e Eva foram cobertos corresponde à misericórdia que nos cobre e abriga, com a certeza e ânimo de que fomos agasalhados com o virtuoso suporte para seguirmos a nossa jornada e cumprirmos nossa vocação.
Patricia Midões de Matos, mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Especialista em Ciências Humanas pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).
Muito bom
Patricia muito boa essa sua reflexão, Deus Pai nosso grande protetor sempre vai estar presente em nossas incertezas, em nossos medos, os desafios que esta geraçao está vivendo é muita incerta, somente ele para livrar nos destes medos.
Mais uma vez parabenizo a arte que ilustra artigo! Olhar para a imagem de Adão envergonhado pela culpa e fragmentado pelo erro me remete a um sentimento compassivo.
A serpente estilizada que envolve toda a gravura e a contraposição de cores das folhas, tudo é surpreendente!
Patricia, sinto que você toca num ponto situado entre as pulsões e a cultura, sim aquela mesmo que interage com nossos comportamentos e modo de pensar, e que varia conforme espaço (geografia) e tempo (gerações) e, cada vez mais, no universo simbólico das plataformas algorítimicas (as bolhas que nos fazem acreditar que o que está fora dela é estranho ou absurdo). Vale a pena observar a imagem. É possível que cada um perceba algo mais valorozo, com base em suas experiências… Tecido da cultura contemporânea! E dela eu não escapo no comentário rsrs