Os mecanismos da evolução natural e a graça de Cristo

Na primeira desta série de postagens sobre a teoria da evolução e a fé cristã, indicamos que a grande contribuição de Charles Darwin foi a de ter proposto um mecanismo, o da seleção natural, que dava conta da evolução das espécies. Esse mecanismo foi confirmado e expandido ao longo do século passado, com a incorporação da genética e da biologia molecular, pela descoberta da estrutura do DNA.

Hoje, pois, destacaremos o mecanismo envolvido na seleção natural. Que muito na natureza funciona de modo mecânico, ou seja, a partir de causas precedentes e seguindo leis naturais, é perfeitamente compatível com uma visão de que o mundo é criado como bom. O problema é que tal mecanismo (que opera também em nível molecular) é cego, não aponta para nenhum propósito, sendo tanto responsável pela beleza na natureza quanto pelo excesso de crueldade que constatamos. Como entendê-lo na perspectiva da Cruz de Cristo?

Ora, os mecanismos cegos da evolução são análogos mecanismos que sustentam a sociedade: não são em si bons ou ruins (em um sentido moral), apenas representam o que é próprio “desse mundo”, o que funciona em virtude da criação. Veja o caso da religião de Israel, representada pelos fariseus, sacerdotes, levitas etc… Na Palestina do tempo de Jesus, havia também a dinastia de Herodes e os romanos, judeus e gentios. Cada um desempenhando seus papéis, de acordo com leis bem estabelecidas. As engrenagens todas funcionando (ainda que fossem também mecanismos de opressão), até que apareceu um certo Jesus, e anunciou um reino de outro mundo, questionando as engrenagens que terminaram por crucificá-lo. Ele, porém, não veio para revogar a Lei, tampouco revogar aquilo que é de César.

Assim, tudo o que diz respeito à vida segue seus próprios mecanismos, e procuramos dominá-los adequadamente (Francis Bacon, um dos pais do projeto tecnológico moderno, dizia que a natureza não se domina senão obedecendo a ela) para nosso benefício. Todavia, também somos por eles dominados (por exemplo, as doenças), algo que se acentua no âmbito da moral. Paulo é o grande expositor do paradoxo da lei, principalmente nas cartas aos Romanos e Gálatas, afirmando que ela é boa, mas é, ao mesmo tempo, uma maldição que pesa sobre nós.

Cristo, novamente, não veio para revogar os mecanismos naturais e sociais, mas para redimi-los, de um modo que é visível de modo sacramental (daí a necessidade do assentimento da fé). O mundo e o homem redimidos são simultaneamente frutos da longa evolução descrita pelas teorias científica e da contínua vinda de Cristo, até que tudo se consume no Eschaton. Isso, pois, é o que é viver pela graça – os mecanismos do mundo já não nos determinam, vivemos na liberdade que Cristo conquistou para nós na Cruz.

Eduardo R. Cruz é professor titular do Departamento de Ciência da Religião da PUC-SP, tendo graus avançados em Física e Teologia; publicou extensamente sobre o relacionamento entre ciências naturais e fé cristã.

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