Pandemia, contas públicas e o compromisso social do Estado

Por Antonio Carlos Alves dos Santos

Sergio Ricciuto Conte

Esta economia mata, afirmou o Papa Francisco (Evangelii gaudium, EG, 53). Será, porém, que é o tipo de economia, no caso a economia de mercado, ou as pessoas que ao agirem egoisticamente são a causa de todos os problemas? Como explicar o agir dessas pessoas? Neste momento  doloroso pelo qual estamos passando, essas dúvidas novamente reaparecem como um dilema moral colocado ao responsável pela política econômica do País e para a elite política como um todo.

O responsável pela política econômica deve tomar decisões que não coloquem em risco a estabilidade macroeconômica duramente conquistada. Entretanto, deve, também, preocupar-se em preservar a vida da pessoa humana mais pobre, que, para garantir o seu sustento e o da sua família, é obrigada a se expor ao risco de contrair a terrível doença.

A ajuda emergencial foi importante para garantir a sobrevivência das pessoas que perderam o emprego e permitiu, também, evitar que nossa economia mergulhasse em um poço profundo. Com a renda no bolso, o pobre consegue comprar os alimentos que precisa e ajuda, naturalmente, a economia local.

Como preservar a vida da pessoa humana e, ao mesmo tempo, respeitar o teto de gastos? Uma  saída, defendida pelos chamados economistas desenvolvimentistas, é simplesmente esquecer o teto de gastos, já que será realmente impossível mantê-lo. É uma proposta que resolve a questão de curto prazo, mas não nos desobriga a pensar em como evitar a perda de controle da questão fiscal e colocar em risco todo o trabalho já realizado desde o Plano Real. 

Além disso, simplesmente dar adeus ao teto de gastos sinalizaria ao mercado falta de compromisso com os bons fundamentos macroeconômicos. Seria simplesmente uma decisão voluntarista, cujas consequências não seriam nada benéficas aos mais pobres que pagariam, de novo, a conta de mais um arroubo desenvolvimentista.

Manter o equilíbrio fiscal do governo não é a mesma coisa que defender o Estado mínimo ou a desobrigação do governo para com os mais pobres. Pelo contrário, significa ter um Estado capaz de cumprir com suas obrigações sociais.

O imposto de solidariedade criado na Alemanha para financiar a modernização da ex-Alemanha Oriental é um exemplo do que pode ser pensado para resolver o problema dos gastos para combater a pandemia, preservar a vida dos brasileiros  e manter a economia funcionando.

Enquanto se discute como resolver a questão do financiamento dos gastos da pandemia, é fundamental manter a ajuda emergencial por um período maior e corrigir a equivocada redução no seu valor, que é um grande desrespeito à dignidade da pessoa humana. 

Felizmente, há programas adotados por governos e municípios que ajudam a tornar menos dolorosa essa longa travessia rumo à normalidade. É o caso, por exemplo, do Auxílio Emergencial Gaúcho, que segundo o governo local beneficia 19.458 empresas do Simples Gaúcho, 58.410 microempreendedores individuais, 18.530 desempregados e 8.161 famílias em situação de vulnerabilidade. A Renda Básica Paulistana também é uma boa iniciativa, ainda que o valor seja muito baixo e por um período aquém do desejado. O Programa Bolsa Trabalho, em análise na Assembleia Legislativa de São Paulo, é uma boa proposta com valor e período de validade razoáveis.

Além desses programas, há sempre espaço para a atuação de Organizações Não Governamentais dedicadas ao trabalho com a população mais vulnerável e, para tanto, é fundamental a generosidade daqueles com situação financeira mais confortável. Nesse cenário desolador, a caridade continua sendo fundamental para garantir um mínimo de dignidade à pessoa humana.

Antonio Carlos Alves dos Santos é doutor em Economia, pela Fundação Getulio Vargas, em São Paulo (SP), e professor titular da FEA, da PUC-SP.

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