Réquiem para uma criança no seio de outra criança

O Brasil foi recentemente sacudido pela notícia de um crime bárbaro, infelizmente muito comum: o estupro de uma criança de 10 anos, que acabou por resultar em gravidez.

A pergunta que se fez também é, infelizmente, muito comum: dada a opinião médica e jurídica, se seria justificável ou não a interrupção da gravidez. Seguindo os princípios da razão instrumental moderna, a decisão rapidamente foi efetivada: optou-se por interromper a gravidez de 22 semanas. A decisão foi facilitada por uma estratégia retórica: em momento algum se falou em matar a criança no seio da outra, falando-se apenas em parar o coraçãozinho, que já batia havia algumas semanas, de um ser a quem se chama de “feto”, um nome técnico que esconde a subjetividade do ser humano que estava sendo gestado.

Não quero aqui julgar as pessoas envolvidas (a criança grávida, os familiares, o juiz, os médicos), nem entrar na delicada questão se uma criança nesta idade poderia levar a gravidez a bom termo. Apenas quero destacar o clima que se criou em torno do evento nos formadores de opinião. De fato, sabemos que esses formadores são em sua maioria pró-abortistas, ou seja, defendem que a opção de prosseguir ou não com a gravidez fique inteiramente a cargo da mulher, independentemente de sua motivação. A posição quase consensual se transformou em furor quando alguns grupos protestaram em frente ao hospital contra o procedimento. Ainda que certos membros desses grupos ajam por razões políticas, usando a religião como pretexto, o furor se voltou contra todos os religiosos que ousaram se manifestar, oportuna ou inoportunamente. Até uma revista de alcance nacional publicou uma matéria de capa defendendo o aborto como solução “progressista”, que não se implementa pela resistência irracional de “conservadores” religiosos.

Não vi praticamente ninguém lamentando pela vida do ser que estava sendo gestado, alheio a toda a controvérsia a seu redor. Qualquer que fosse a solução alternativa que pudesse ter sido apresentada (com suporte às duas crianças, a que gerava e a que estava sendo gerada), teria sido imediatamente rejeitada pelos moralistas de plantão.

Certamente, é um grande ônus para uma mulher carregar em seu ventre o fruto de um estupro. Entretanto, o Cristianismo também se construiu com a convicção de que as crianças que nascem não carregam os pecados do ato vergonhoso. Uma vida nova se inicia, praticamente do zero. O ato violento é, ao mesmo tempo, um apelo ao amor de todos ao redor: apoio incondicional, a oferta de todas as condições para a subsistência e educação da criança.

É certo que o peso da iniquidade humana é muito grande, mas isso tem servido de pretexto para a celebração do individualismo moderno, em detrimento das novas gerações. Agora é apenas hora de lamentação (cf. Lc 23,28), e, por isso, este réquiem para a criança inocente.

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