No mistério da Encarnação – “E o Verbo se fez carne” (Jo 1,14) –, Jesus Cristo assumiu os traços maternos de Maria Santíssima. Sendo Deus – “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1,1) –, a fisionomia humana de Jesus Cristo, certamente, assemelhava-se à de sua mãe. “Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4-5). De Maria Santíssima, nasceu-nos o Salvador. “[…] Maria, sua mulher, que estava grávida […] ela deu à luz seu filho primogênito […] nasceu-vos hoje o Salvador, que é o Cristo-Senhor […]” (Lc 2,3-11). Na inteira humanidade de Jesus Cristo está presente a inteira humanidade de sua mãe.
O evangelista São Lucas nos diz que Maria Santíssima seria lembrada para sempre: “Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada” (Lc 1,48). Maria, ao dizer ‘sim’ ao projeto de Deus, entrou definitivamente nas nossas vidas. O Concílio de Éfeso, em 431, declarou, solenemente, Maria como Mãe de Deus. Jesus Cristo, ao entregar sua mãe a São João Evangelista, também no-la deu por mãe: “Eis a tua mãe! E, a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27).
Em todas as partes do mundo, vemos imagens, ícones e pinturas de Nossa Senhora. Apresentam-se nos vários momentos da história, representando as muitas tonalidades de época. São retratadas, muitas vezes, com a fisionomia do artista ou com o rosto de pessoas do lugar onde essas pérolas artísticas são produzidas.
Na América, antes de 1492, com a chegada dos navegadores espanhóis, os povos autóctones possuíam suas características próprias. A terra encontrada pelos europeus foi batizada com o nome de América, em homenagem a Américo Vespúcio. Os habitantes do lugar foram chamados de indígenas, pensando os conquistadores terem chegado às Índias.
Em 1531, portanto há 490 anos, Maria Santíssima, assumindo o rosto indígena, apresentou-se da parte de Deus a um índio, chamado Juan Diego, canonizado por São João Paulo II, em 2002. A revelação privada de Maria Santíssima, em Guadalupe, assegurou a predileção do Altíssimo para com os habitantes da América. Muitas são as invocações e títulos que Nossa Senhora recebe neste imenso continente. De fato, a Igreja, em toda a América, somente reconhece a aparição de Maria Santíssima, no México.
Em uma rádiomensagem, em 12 de outubro de 1945, por ocasião dos 50 anos da coroação canônica da Virgem de Guadalupe, o Papa Pio XII reafirmou Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira do México e das benesses recebidas pelos fiéis de toda a América. Em 27 de janeiro de 1979, em visita ao México, São João Paulo II referendou sua devoção à América Latina. Sem barreiras geográficas ou divisões continentais, Maria, com seu rosto indígena, apresentou-se aos primeiros e autênticos povos dessa região. Precisamos, reiteradamente, assumir que as vidas indígenas, do extenso continente indígena, importam e devem ser valorizadas e salvaguardadas. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Padre José Ulisses Leva é professor de História Eclesiástica da PUC-SP.