Rodrigo Coppe Caldeira*
Para surpresa de muitos, Francis Robert Prevost, 69 anos, norte-americano com nacionalidade peruana, foi escolhido pelos cardeais como o Pontífice.
Com os pés em dois mundos — na Igreja local peruana e na Cúria Romana, como Prefeito do Dicastério para os Bispos, Prevost, agora Leão XIV, é o quarto papa do Terceiro milênio da era cristã. O “menos americano dos americanos”, como disseram, foi pinçado entre 133 cardeais votantes como uma nova solução, uma ponte capaz de conter os ânimos dos católicos mais exaltados que caem para os extremos. Pertencente à Ordem de Santo Agostinho (Agostinianos), Leão XIV surgiu na loggia da Basílica de São Pedro com todos os paramentos usados por um papa em cerimônias solenes: túnica talar, roquete, mozeta, estola romana, anel do pescador, cruz peitoral de ouro. Diferentemente de Francisco, que se apresentou de branco, sem mozeta e sem estola, visando demonstrar simplicidade e humildade, Leão XIV retomou as vestes oficiais papais. E isso não é pouca coisa. Os usos desses paramentos é profundamente codificado, remetendo à continuidade apostólica e da tradição, distinção da função e sua sacralidade e, além de outros aspectos, unidade da Igreja. Ao se dirigir ao público na Praça de São Pedro, Leão XIV falou em três línguas: italiano, espanhol (a primeira vez usado por um papa em seu primeiro discurso) e latim.
Muitos significados se abrem nesses poucos minutos em que esteve com os fiéis em seu primeiro momento. A vestimenta papal solene usada por Prevost e o uso do latim acenaram aos setores mais apegados aos ritos e às normas. Ao mesmo tempo, o Papa reafirmou a sinodalidade, demonstrando continuidade com Francisco, e insistiu na palavra “paz” — o que faz sentido tanto para dentro quanto para fora da Igreja. Apresentou-se como uma posição de síntese, afastando-se dos setores extremistas da Igreja, que mesmo em minoria causam tensões e desequilíbrios em seu seio. Desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), os extremismos têm levado a sérias divisões, que a Santa Sé tenta conter, com relativo sucesso, mas enfrentando percalços no caminho.
Vale analisar seu brasão, que mantém a mitra em vez da tiara papal, usada desde Bento XVI e continuada por Francisco. A tiara é o símbolo da autoridade do papa, tanto espiritual quanto temporal, simbolizando a conjunção de três poderes: Sagradas Ordens, Jurisdição e Magistério. Apareceu pela última vez no brasão papal de João Paulo II (1979-2005). A mitra, por seu turno, espécie de chapéu alto e pontiagudo, com duas pontas rígidas e duas faixas que caem pelas costas, é usado por bispos, cardeais e outros dignitários religiosos em cerimonias específicas. No listel de seu brasão, a fita que vem abaixo, lê-se frase de Santo Agostinho: “In illo uno unum”, que em tradução livre significaria “Embora nós cristãos sejamos muitos, no único Cristo somos um”. Sinal de sua herança agostiniana e, sem sombra de dúvida, da insistência na unidade, frente às divisões que assolam a Igreja contemporânea e que remontam ao longínquo século XIX e que se aguçou no pós-concílio. O escudo bipartido traz acima a flor-de-lis, tradicionalmente associada à pureza da Virgem Maria e, também, à tradição agostiniana. O coração vermelho e flamejante sobre as Sagradas Escrituras rememora Santo Agostinho, o “doutor do amor”. Assim, inicia-se um pontificado que, entre símbolos antigos e gestos contemporâneos, buscará ser ponte em tempos de incerteza.

*Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, dedica-se aos temas de catolicismo, modernidade, tradição, conservadorismo.