Tempo do Advento: o sabor dos Salmos e da Liturgia das Horas

“Quando encontrei tuas palavras, as devorei com avidez, elas se tornaram para mim uma delícia e a alegria do coração, o modo como invocar teu nome sobre mim” (Jr 15,16).

O Advento é um tempo forte, um tempo dado pela sabedoria milenar da Igreja para crescer na fé, no amor e na esperança. E o principal instrumento para isso é a oração. Ao longo de muitos milênios, a tradição judaico-cristã desenvolveu um modo todo especial para a oração pessoal e comunitária que é a oração dos Salmos.

Já no início do Cristianismo, os primeiros cristãos, aproveitando a tradição judaica de rezar os Salmos em vários momentos diferentes do dia, organizaram o canto dos Salmos com as leituras do Novo Testamento. Assim, a Liturgia das Horas tornou-se a oração por excelência de toda a Igreja. Jesus rezava sempre os Salmos e estava orando o Salmo 21 enquanto estava pregado na cruz. Infelizmente, sua prática como oração diária foi perdida ao longo dos séculos e reduzida aos monges e a alguns religiosos.

O Concílio Vaticano II reconheceu a perda que essa prática trouxe à vida de todo cristão e voltou a exortar o seu retorno, ao reconhecer que nenhum outro tipo de oração traz uma riqueza tão grande para a educação da fé, a prática da justiça e o aprendizado do amor. Dos textos fundamentais que orientaram os cristãos dos primeiros séculos sobre o porquê de rezar sempre os Salmos, um deles foi escrito por Santo Atanásio, Arcebispo de Alexandria, no Egito, e um dos grandes Padres da Igreja (296-373 d.C.).

Ele diz que o Saltério possui uma graça verdadeiramente especial. Retrata como nenhum outro livro da Bíblia os movimentos da alma humana em todas as suas vicissitudes. É como uma pintura em que nos vemos retratados e, ao observá-la, compreendemos o que estamos vivendo e, consequentemente, como devemos agir. Em outro lugar na Bíblia se lê sobre o que os mandamentos ordenam fazer; nos livros dos Profetas aprende-se que eles anunciam a vinda do Salvador; ao se ler os livros de Reis e Samuel, conhece-se a história de suas realizações, mas no Saltério, ao lado dessas coisas, aprendemos sobre nós mesmos. Nele, encontramos o quadro de todos os movimentos de nossa alma, suas mudanças, seus altos e baixos, suas quedas e como se levantar. Seja qual for a nossa necessidade ou preocupação particular, podemos selecionar um Salmo cujas palavras se adaptem à situação e rezá-lo sempre, de modo que não seja apenas uma leitura, mas aprender o que e como fazer, o que pensar e o que sentir em cada situação. 

As recomendações para não praticar o mal são abundantes nas Escrituras, mas apenas o Saltério ensina como agir. O arrependimento, por exemplo, é repetidamente recomendado, porém se arrepender significa “não pecar”, e são os Salmos que mostram como devemos nos mover. Todo o processo de viver as dificuldades é apresentado nos Salmos e nos é mostrado exatamente com que palavras manifestar nossa esperança em Deus ou seguir o ensinamento, “Dê graças em todas as coisas”. Os Salmos não apenas nos exortam a sermos gratos, mas também nos fornecem as palavras certas.

Há também outra peculiaridade sobre os Salmos: nos outros livros das Escrituras, lemos ou ouvimos as palavras de homens santos, como se pertencessem apenas a quem as pronunciou e não como se fossem nossas… No Saltério, porém, é como se estivéssemos lendo nossas próprias palavras, e quem as escuta fica comovido, como se dessem voz aos seus pensamentos mais ocultos. A maravilha do Saltério reside no fato de que o leitor coloca todas as palavras ali constantes em seus lábios como se fossem suas, e cada um canta os Salmos como se fossem escritos para ele, para seu próprio benefício e os recita não como se alguém estivesse falando ou descrevendo os sentimentos de outra pessoa, mas como se falasse na primeira pessoa, oferecendo as palavras a Deus como expressões de seu coração, como se ele mesmo as tivesse elaborado. 

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