Dois temas, sobretudo, ligam o Jubileu do Domingo da Misericórdia ao momento atual de renovação da Igreja: seu significado diante do processo sinodal e seu simbolismo à luz do Jubileu 2025, isto é, a conversão e a esperança. Disto se constata que o campo da não recepção do Domingo da Misericórdia vai se estreitando cada vez mais, e a própria compreensão do estilo sinodal da Igreja torna-se deficitária.
Há uma mística pascal da misericórdia subjacente ao Documento final (DF) do Sínodo sobre a sinodalidade – guiado pelos relatos evangélicos da Ressurreição (cf. DF 12), uma vez que já no início é citada a aparição de Jesus aos discípulos na noite da Páscoa, na qual “mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos se alegraram por ver o Senhor”: Jo 20,19-20 – Evangelho do Segundo Domingo da Páscoa ou Domingo da Divina Misericórdia. Segundo o DF, contemplando o Ressuscitado, nos sentimos envolvidos pela sua misericórdia e tocados pela sua beleza, pois cada novo passo na vida da Igreja é um regresso à fonte, na qual devemos fixar o olhar (cf. DF 1-2). O Ressuscitado é a fonte da misericórdia, efusão do maior mistério e atributo de Deus, celebrado no Domingo na Oitava da Páscoa, como um grande convite à conversão ao Cristo pascal e misericordioso, para que nos reconheçamos misericordiados, como anela o Papa Francisco. Não pode haver conversão – especialmente a conversão sinodal – sem a referência à misericórdia, como parece reconhecer o DF.
A celebração do Domingo da Misericórdia na oitava pascal tem como pressupostos princípios da continuidade substancial: o princípio conciliar do progresso da Tradição (cf. Dei Verbum, DV 8) e o princípio do desenvolvimento orgânico da liturgia (cf. Sacrosanctum Concilium, SC 23). Houve um crescimento na compreensão que tende à verdade plena, cuja riqueza entra na prática e na vida da Igreja crente e orante (cf. DV 8), visando ao equilíbrio da relação fé-liturgia. Nesse sentido, o DF destaca a “fé pascal” (14 e 24) e, ao mesmo tempo, nos concede a força desta bela sentença: “A mesa da graça e da misericórdia já está posta para todos e a Igreja tem a missão de levar este esplêndido anúncio a um mundo em mudança” (DF 153). Há nisso um profundo nexo com o Domingo da Misericórdia.
No pensamento de São João Paulo II é central a ideia da onipotência da misericórdia divina como “limite imposto ao mal”; por isso – ele explicou em seu último livro, Memória e identidade –, Santa Faustina associou sua mística da misericórdia ao mistério da Páscoa, quando Cristo se apresenta vitorioso sobre o pecado e a morte. Na homilia das Exéquias, acrescentou o Cardeal Ratzinger: “Ele interpretou para nós o mistério pascal como mistério da misericórdia divina”, resumindo o significado do Domingo da Misericórdia. Este se incorpora à antiga mensagem batismal e mistagógica do Domingo in albis, segundo o testemunho de Bento XVI (cf. Carta no centenário de nascimento de São João Paulo II, 4/5/2020).
Foi uma surpresa do Espírito Santo que, no Grande Jubileu de 2000, se instituísse a memória da “Divina Misericórdia” no Dia da Ressurreição: “A Misericórdia Divina! Eis o dom pascal que a Igreja recebe de Cristo ressuscitado e oferece à humanidade no alvorecer do terceiro milênio” (São João Paulo II, Homilia no Domingo da Misericórdia, 2001), como sua única fonte de esperança. A criação dessa festa tem grande valor simbólico, e, como “profecia do futuro”, deverá ser celebrada muito especialmente nos jubileus ordinários da Igreja, quando também aniversaria, pois seu conteúdo sempre aprofundará o sentido de renovação desses anos jubilares.