Existe uma tradição da espiritualidade cristã, provavelmente surgida com Santo Agostinho, de identificar três inimigos de nossa alma: “Eis que os homens já foram batizados, e seus pecados já foram perdoados… e, no entanto, resta a luta com a carne, resta a luta com o mundo, e resta a luta com o diabo” (Sermo 158,4). No monaquismo medieval, a figura dos inimigos da alma foi assumindo até mesmo tons militares: “Pois existem três tiranos que lideram seus exércitos em batalha contra nós. O diabo conduz suas tropas de sugestões perversas à alma fiel. O mundo dispõe as circunstâncias favoráveis e adversas para nos subjugar. E a carne levanta-se-nos em batalha, suscitando as hostes de desejos carnais” (Hugo de São Vitor, In Ecclesiasten 16).
Por detrás dessa linguagem poética, no entanto, está a verdade espiritual de que “a vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7,1)! E não se trata, aqui, de uma luta meramente material, como quem busca melhores condições de vida. Não! Esta luta é parte de uma batalha espiritual contra os inimigos da alma.
Os grandes estrategistas militares insistem em que o primeiro passo para a vitória é conhecer bem seu inimigo. Quais são, então, esses nossos três inimigos?
Em primeiro lugar, a carne: ou seja, nossas paixões desordenadas, nossos impulsos egoístas de prazer a todo custo, que nos impelem tantas vezes a tratar o nosso corpo como uma criança mimada. Quando o médico lhe aponta o remédio amargo capaz de curá-la, a criança esperneia e prefere se empanturrar de guloseimas. Por isso mesmo, precisamos de vez em quando dizer “não” ao nosso corpo, em um verdadeiro exercício dos “músculos” da força de vontade. Como dizia São Paulo: “Todos os atletas se impõem a si muitas privações; e o fazem para alcançar uma coroa corruptível. Nós o fazemos por uma coroa incorruptível. Assim, (…) castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de ter pregado aos outros” (1Cor 9,25-27).
O nosso segundo inimigo é o mundo – não aquele mundo que Deus criou e por cujo amor Ele entregou seu Filho único (cf. Gn 3,31; Jo 3,16), mas o mundo que rejeita a Deus e às coisas de Deus, o mundo que implicitamente nos diz para escolher entre sermos amigos dele ou amigos de Deus (cf. Tg 4,4). Hoje em dia, este mundo se expressa frequentemente na mentalidade materialista e aburguesada, que coloca sua segurança na conta bancária gorda, no plano de saúde e de previdência, no carro da moda e no celular do ano… Contra este mundo, Cristo nos adverte: “Guardai-vos escrupulosamente de toda a avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas”, pois “louco” é aquele que coloca a segurança de sua alma nos muitos bens, e não é rico para Deus (cf. Lc 12,13-21). Pelo contrário, o Bom Mestre nos assegura: nosso Pai celeste sabe que precisamos de comida, bebida e vestimentas – mas busquemos primeiro o Reino de Deus, e o resto nos será acrescentado (cf. Mt 6,24-34)!
Por fim, o último inimigo da alma é o diabo. Ao contrário da imagem que poderíamos formar com base nos filmes de exorcismos e possessões, o diabo nunca vem nos tentar com aspecto medonho e terrível, com chifres e um tridente vermelho. Pelo contrário: em geral, ele se apresenta simpático, sedutor, não raro com elegância e finura.
A “estratégia de marketing” do diabo é sempre a mesma, desde o Éden: com fala mansa e língua bifurcada, ele nos apresenta o pecado como saboroso e agradável, e insinua que Deus é um sujeito que quer limitar a nossa liberdade e impedir a alegria (cf. Gn 3,4-6).
Lutemos, então, contra os nossos três inimigos, e que nosso grito de batalha seja a Oração de São Bento: A Cruz Sagrada seja a minha luz, não seja o dragão o meu guia. Retira-te, satanás! Nunca me aconselhes coisas vãs. É mau o que tu me ofereces. Bebe tu mesmo os teus venenos!