Pão da Vida, Pão do Céu

Na quinta-feira, 3, a Igreja celebra, com grande júbilo, a Solenidade do Corpo do Senhor. Nós, católicos, costumamos falar de forma muito enfática sobre o Santíssimo Sacramento: chamamo-lo “fonte e cume de toda a vida cristã” (Catecismo da Igreja Católica, 1324), ou ainda o “apogeu da obra de salvação de Deus” (Papa Francisco, Audiência Geral, 05/02/2014). Para entender como é justa tanta veneração eucarística, convém repassarmos o famoso capítulo 6º do Evangelho de São João, em que Jesus prenuncia a Eucaristia.

Como forma de prelúdio ao discurso propriamente eucarístico do Senhor, o texto é aberto com os milagres da multiplicação dos pães e peixes (cf. vv. 1-14) e do caminhar sobre as águas (cf. vv. 16-21) – episódios que denotam dois temas fortemente eucarísticos: o poder divino de Jesus e sua intenção de alimentar seu povo.

A narrativa da pregação eucarística começa, então, quando Jesus, tendo exorta do a multidão a trabalhar “não pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna” (v. 27), recebe de resposta o pedido de um sinal, semelhante ao maná, o “pão vindo do céu” que os israelitas recebiam no deserto (cf. vv. 30-31).

O Mestre toma esta mesma resposta para fazer a primeira declaração eucarística: “Eu sou o pão da vida. (…) Eu sou o pão que desceu do céu” (vv. 35.41). Alguns circundantes, que o haviam conhecido como “filho de José, o carpinteiro” (cf. Jo 1,45), murmuravam: “Como, então, diz ele que desceu do Céu?” (vv. 41-42).

Jesus, então, faz uma segunda declaração, mais explícita que a primeira: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu hei de dar é a minha carne para a salvação do mundo” (v. 51) – mas a murmuração e o tumulto dos ouvintes apenas cresceram. O Antigo Testamento, afinal, continha inúmeras proibições ao consumo do sangue de animais (cf. Gn 9,4; Lv 3,17; Dt 12,23) – como poderia então este homem dar a comer sua própria carne e sangue?

O Senhor teve aqui todos os incentivos e oportunidades para explicar que falara apenas em sentido metafórico – como, aliás, fizera a Nicodemos, que erroneamente entendera o “nascer de novo” como o “tornar a entrar no seio de sua mãe” (cf. Jo 3,3- 5). E, no entanto, no discurso eucarístico, o Mestre faz exatamente o contrário: Ele faz uma terceira declaração, intensificando seu ensinamento e dando ênfase àquele mesmo sentido físico-literal a que a multidão objetava: “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. (…) Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida” (vv. 53.55). No texto original grego, é de notar que à multidão que perguntara usando o verbo phagein (“comer”, como os humanos o fazem), ele responde com o verbo trogein (“mastigar, abocanhar, roer”, tipicamente usado para animais).

O resultado deste ensinamento foi uma defecção em massa: “Muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com ele” (vv. 60.66) – como ainda hoje tantos cristãos tropeçam no ensinamento sobre a Eucaristia. Coube a São Pedro, como líder dos apóstolos e guardião da fé, professar a fé eucarística, associando-a à identidade divina de Jesus (cf. vv. 68-69). “Do ponto de vista católico, esta associação da fé na Encarnação e na Presença Real é de grande importância, pois a Eucaristia nada mais é que a extensão sacramental da Encarnação ao longo do tempo e do espaço: a maneira com que Cristo continua a habitar, de forma corpórea, na sua Igreja” (Robert Barron, “Catholicism”).

Permaneçamos nós, também, sempre firmes na fé de Pedro, crendo em “tudo aquilo que disse o Filho de Deus – pois nada é mais verdadeiro que este Verbo da Verdade” (Santo Tomás de Aquino, hino Adoro te devote).

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