Penitência, ato de amor

No tempo do Advento, em que a Igreja intensifica sua preparação para receber Nosso Senhor, pede-se de forma muito especial que todos os fiéis rezem, participem dos sacramentos e se penitenciem com maior frequência. Isso é simbolizado na liturgia por meio da cor roxa, sinal de purificação, arrependimento, preparação espiritual e conversão. Contudo, por mais que a vasta maioria das pessoas compreenda a importância das orações, Confissões e da Comunhão constante neste período, muitas ainda possuem um pouco mais de reserva no que diz respeito às penitências. Isso é compreensível quando se remove o sentido espiritual ligado a elas e se deixa somente com seu aspecto exterior de desconforto, dor e sofrimento. Por isso, é essencial resgatar seu verdadeiro significado e, com isso, apreender sua necessidade prática: penitência é um ato de amor. 

Primeiramente, é importante definir o que é a penitência. Em linhas gerais, pode-se dizer que há duas formas distintas, porém interligadas, de penitência: a exterior e a interior. A primeira refere-se aos atos concretos de mortificação, jejum, esmola e oração que nos ajudam a nos configurarmos a Cristo Jesus. Entretanto, ainda mais importante, as penitências exteriores só possuem verdadeiro sentido quando têm por fim as interiores. Estas são definidas justamente como “a reorientação radical de toda a vida; conversão para Deus de todo o nosso coração […]. É o desejo e a resolução de mudar de vida com a esperança na misericórdia divina e a confiança na ajuda de Sua graça” (Catecismo da Igreja Católica – CIC 1431). Dessa forma, pode-se dizer que os atos exteriores servem para adquirir o domínio sobre nossas paixões e a liberdade de coração, a fim de vivermos efetivamente como filhos de Deus. 

Compreendendo essa realidade, fica claro o motivo da penitência ser um ato de amor: desprendendo-nos das criaturas, disponibilizamo-nos para o Criador. Cumprir isso não é fácil. Verdade seja dita, é um sacrifício. Mas tal qual a penitência, o sacrifício também tem sua fonte na caridade divina e nos abre a amar cada vez mais. Podemos ver isso até mesmo em contextos mais simples, não diretamente ligados a Deus. Pais que sacrificam horas de sono todas as noites pelos seus filhos mais novos, esposos que se esvaziam de suas vontades momentâneas para lavar a louça a um parceiro cansado, entre outros. Nesse sentido, a penitência não deixa de ser uma série de sacrifícios pessoais voluntários visando a um crescimento no Amor. 

Vale ressaltar, no entanto, o risco da penitência desordenada. Ela ocorre quando alguém, por mais que faça os atos exteriores, não abre seu coração para a graça divina. Assim, o fim último pela qual a penitência existe não é cumprido e aquela ação perde o sentido diante de Deus. Quanto a isso, Nosso Senhor avisa repetidamente sobre aqueles que fazem esmola, oração e jejum para serem reconhecidos pelos outros homens: “Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles, de outra sorte não tereis direito à recompensa do vosso Pai, que está nos céus” (Mt 6,1). 

Portanto, neste tempo do Advento, façamos mais penitências enquanto nos preparamos para a vinda de Nosso Senhor! Unindo de forma oportuna e discreta pequenos sacrifícios e desconfortos ao longo de nossos dias, preparemo-nos de forma mais especial para receber a encarnação de Deus. Que nós possamos, por meio delas, abrir cada vez mais nossos corações a fim de que seja cumprida Suas palavras: “Dar-vos-ei um coração novo e porei um novo espírito no meio de vós; tirarei da vossa carne o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36,26). 

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