Quando não existe candidato ideal

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI) esclarece que “o cristão não pode encontrar um partido plenamente conforme às exigências éticas que nascem da fé e da pertença à Igreja: a sua adesão a uma corrente política não será jamais ideológica, mas sempre crítica” (CDSI 573) e “a ninguém é permitido reivindicar exclusivamente, em favor do seu parecer, a autoridade da Igreja: os crentes devem antes procurar esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, guardando a caridade mútua e o cuidado do bem comum” (CDSI 574). 

Os cristãos podem se organizar em partidos e frentes condizentes a suas convicções, mas não devem se impor a toda a comunidade cristã como única expressão política válida: “a adesão a um partido ou corrente política seja considerada uma decisão a título pessoal, legítima ao menos nos limites dos partidos e posições não incompatíveis com a fé e os valores cristãos” (CDSI 574). 

Existem posições e princípios incompatíveis com a fé e os valores cristãos, mas essa não é uma questão esquemática. É fácil para um demagogo declarar que comunga com os princípios cristãos e depois ter uma conduta totalmente oposta a eles – ou selecionar alguns princípios e desconsiderar outros. A confiança na coerência e na honestidade pessoal de um político é uma avaliação sempre subjetiva. 

A Doutrina Social da Igreja e a vida da comunidade cristã não nos dizem em quem devemos votar, mas nos dão critérios objetivos que podem orientar nosso discernimento – os chamados “princípios irrenunciáveis”. Tais critérios devem ser aplicados como um todo, para não se tornarem tendenciosos e ideológicos, sempre contemplando o contexto geral. Por exemplo, a paz entre as nações é um “princípio irrenunciável” muito mais urgente para países em guerra; a moralidade pública ganha relevo onde se luta contra a corrupção endêmica. 

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é a pedra fundamental da Doutrina Social da Igreja (CDSI 105ss), diretamente vinculado tanto à defesa da vida, pois só os vivos podem ter sua dignidade reconhecida na sociedade (Evangelium vitae, EV 2), quanto à opção preferencial pelos pobres, que têm sua dignidade aviltada em função de interesse econômico privado. Na própria Evangelium vitae, São João Paulo II reúne a defesa da vida e a opção preferencial pelos pobres (cf. EV 32), mostrando que uma não pode ser separada da outra. Nas palavras do Papa Francisco, só nos aproximando dos últimos poderemos ser irmãos de todos e construir o bem comum (cf. Fratelli tutti, FT 287). 

Se vemos a integralidade dos princípios cristãos, teremos dificuldade de encontrar um “candidato ideal” – os políticos são seres humanos imperfeitos, como nós mesmos. Temos sempre que escolher o “melhor possível”. Cada partido quer que votemos apenas em seus candidatos, mas podemos ter que combinar candidatos com posições diferentes, para que o Legislativo evite distorções do Executivo e vice-versa. 

Findas as eleições, temos a obrigação de acompanhar nossos candidatos eleitos e cobrar deles posições condizentes com o bem comum. Não podemos ratificar tudo que um político faz só porque votamos nele – pelo contrário, como seus eleitores, devemos ser os primeiros a cobrar sua coerência e seu compromisso. 

O bem comum é uma construção permanente e cotidiana, que transcende o momento eleitoral e a atuação dos políticos eleitos. Cada um de nós dá sua contribuição quando se envolve em atividades sociais e políticas inspiradas na caridade e no compromisso cristão, quando se torna protagonista da construção do bem comum em seu ambiente. Os limites da política partidária e eleitoral mostram a importância desse trabalho cotidiano. 

Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. 

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