Que maior presente podemos dar a alguém? Escutá-lo

Sergio Ricciuto Conte/O SÃO PAULO

“Escutar” é um verbo central na Bíblia, em hebraico se diz shemá e está presente mais de mil vezes no Antigo Testamento. No Novo Testamento, o verbo grego akòuo, “escuto, compreendo”, é usado mais de 400 vezes. A profissão de fé que está diariamente nos lábios de todo israelita fiel se inicia com shemá: “Escute!”, e é baseada em um texto bíblico cuja abertura soa assim: “Escute, Israel, o Senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” (Dt 6,4-5).

No final do rito da aliança entre Deus e Israel, Moisés toma o livro da Aliança e o lê na presença do povo que diz: Faremos o que o Senhor disse e o escutaremos (cf. Ex 24,7). “Escutar” implica obediência, acolhida atenta, disponível e aberta. Quando Moisés relata os mandamentos do Senhor, todo o povo responde: O que o Senhor disse faremos! (cf. Ex 19,8). A Bíblia propõe uma religião de escuta que tem como meta o encontro com Deus em um abraço de amor. Por isso, o imperativo que segue o “escutar” é: “Amarás o Senhor”.

Isaías escreve: Como são belos os pés do mensageiro que faz escutar (shemá) a paz, do mensageiro das boas-novas que faz ouvir (shemá) a salvação (cf. Is 52,7). Jesus diz, justamente, nas bem-aventuranças: Bem-aventurados os vossos ouvidos porque ouvem (cf. Mt 13,16). Shemá possui um significado muito rico: escutar, prestar atenção e obedecer. A raiz hebraica sh-ma significa também “compreender”, como na história da torre de Babel, quando Deus diz: Venham, vamos descer e confundir a língua deles para que eles não se compreendam, yishme’u (cf. Gn 11,7).

É interessante que não existe o verbo “obedecer” no Antigo Testamento e sim o “escutar”, pois Deus pede ao povo de Israel que O escute, ou seja, reflita, tente entender, internalize, e só então responda ao que Deus pede. Ele quer que o povo seja um povo da “escuta”. Escutar é, portanto, a virtude-chave da vida religiosa.

Podemos fazer muitas coisas por uma pessoa, uma mãe pelos filhos, um marido pela esposa e vice-versa, um pároco pelos seus paroquianos, um membro de uma comunidade pelos seus irmãos; mas nada é maior e faz mais bem do que a disponibilidade para os escutar. Mas como escutar?

Na exortação apostólica Christus vivit, Papa Francisco apresenta-nos uma esplêndida catequese sobre como se pode escutar verdadeiramente o outro. Antes de tudo, é estar atento ao outro, enquanto ele se entrega a nós em suas palavras. O sinal dessa escuta é o tempo que dedico a ele. Não é uma questão de quantidade, mas que o outro sinta que o meu tempo é dele: o tempo que ele precisa para expressar o que deseja. Deve sentir que o escuto incondicionalmente, sem me ofender, sem me escandalizar, sem me irritar, sem me cansar.

Mas tudo isso é muito difícil às vezes: que tal rezar interiormente pelo outro enquanto o escuto? Escutar é um gesto supremo de amor e o maior presente que posso dar a uma outra pessoa.

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

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