Reforma da empresa: bandeira histórica dos movimentos políticos cristãos

Sempre que se vai tratar de transformações importantes no sistema social, é comum que se apele ao vocabulário reformista. Fala-se, assim, de reforma agrária, reforma urbana, reforma tributária, reforma política, reforma trabalhista. Infelizmente porém, há um tipo de reforma social que se costuma esquecer. E eu digo infelizmente, porque essa pauta sempre foi uma bandeira histórica de todos os movimentos políticos de inspiração cristã. Trata-se da reforma da empresa. 

Como ensina São João XXIII, “a justiça há de ser respeitada não só na distribuição da riqueza, mas, também, na estrutura das empresas em que se exerce a atividade produtiva” (Mater et Magistra, MM 82). Essa exigência de justiça significa para o patrão, em primeiro lugar, a obrigação de oferecer um salário digno aos funcionários. Um salário, ensina desde sempre a Doutrina Social da Igreja, que garanta condições básicas de vida tanto para o trabalhador quanto para a sua família. 

Pagar o salário justo, contudo, por mais que seja o mínimo necessário, não é o cenário ideal e perfeito, de um ponto de vista cristão. É preciso tornar a empresa uma autêntica “comunidade de pessoas”, na qual cada funcionário seja visto não apenas como um recurso, mas como um sujeito. Isto é, não apenas como alguém que tem de cumprir tal e qual tarefa, mas como um colaborador único e engajado, cuja voz merece ser ouvida e que participe também dos lucros do negócio. Não à toa, dizia Pio XI, “nas presentes condições sociais, é preferível, onde se possa, mitigar os contratos de trabalho, combinando-os com os de sociedade, como já se começou a fazer de diversos modos, com não pequena vantagem dos operários e dos patrões. Desse modo, operários e empregados são considerados sócios na propriedade ou na gerência, ou compartilham os lucros” (Quadragesimo Anno, QA 4). 

Eis aí, em suma, a proposta da reforma da empresa. Não uma saída socialista, na qual o Estado assume o controle total, direto ou indireto, do sistema econômico. Tampouco uma saída capitalista, na qual as grandes corporações privadas, com seus acionistas todo-poderosos, ditam as regras da produção. Mas uma saída comunitária, na qual as empresas se tornam empreendimentos cooperativos, que integram patrões e funcionários de forma orgânica. 

A Alemanha, país dominado pela democracia cristã no pós-guerra, é a nação em que a reforma da empresa mais avançou. Lá, a lei simplesmente obriga que todas as empresas com mais de 500 funcionários tenham representantes dos trabalhadores em seu conselho diretor. Essa representação é de no mínimo um terço dos membros do conselho, mas pode chegar obrigatoriamente até a metade da direção, dependendo do tamanho da empresa e do setor em que atua. 

No Brasil, a Constituição federal estabelece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”. Na prática, porém, esse dispositivo, assim como vários outros da Carta Magna, não se traduz na realidade. André Franco Montoro, que chegou a ser governador de São Paulo, passou a vida se batendo pela reforma da empresa, apresentando projeto de lei, assim como alguns outros políticos católicos comprometidos com a DSI, mas a coisa não emplacou. 

É hora de retomar essa luta. Precisamos urgentemente de uma economia comunitária, mais condizente com a vontade de Deus e a dignidade do homem. 

Pedro Ribeiro é professor de Filosofia e presidente da Comunhão Popular, um jovem movimento político de inspiração cristã. E-mail: pedrohsribeiro@yahoo.com.br 

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários