Retiro Espiritual: as marteladas de Deus em nossa alma 

No mês passado, publiquei neste espaço, em 26 de fevereiro, o artigo “A Quaresma é um tempo de penitência, mas não é de tristeza!”. O título remetia a uma frase dita pelo Papa Francisco na Quaresma de 2021 que, por si, já oferece uma reflexão sobre este tempo espiritual. No texto, tratei do tema da oração, do espírito de penitência, mortificação e da importância da realização diária do exame de consciência. 

Retomo ao tema, a partir da mensagem para a Quaresma de 2025 do Papa Francisco, que nos exorta a refletir que “Deus pede-nos que verifiquemos se nas nossas vidas e famílias, nos locais onde trabalhamos, nas comunidades paroquiais ou religiosas, somos capazes de caminhar com os outros, de ouvir, de vencer a tentação de nos entrincheirarmos na nossa autorreferencialidade e de olharmos apenas para as nossas próprias necessidades”

Como verificar as questões propostas pelo Papa Francisco e tantas outras inquietações que naturalmente carregamos em nossos corações? 

A oração diária, de preferência com hora fixa pela manhã e à tarde, é o caminho de sempre; mas destaco a importância de um recurso disponível em todas as paroquias: o Retiro Espiritual. 

E qual é a finalidade de uns dias de Retiro Espiritual? Como disse certa vez Ronald Knox, Capelão da Universidade de Oxford entre 1928 e 1938, “a finalidade, no fundo, não é senão deixar que Deus atue na nossa alma. […] Deus quer fazer uma espécie de faxina geral na nossa alma; talvez nos faça ver algum pecado oculto, algum mau hábito que desconhecemos, uma amizade insensata… Talvez, nos queira fazer entrever o modo como quer que O sirvamos”

Ronald Knox conta uma historieta que ilustra bem as razões de fazermos um Retiro Espiritual: “Um ferroviário ia batendo nas rodas dos vagões com um martelo, como costuma acontecer quando o trem para em uma estação. Um passageiro assomou à janela e gritou-lhe: ‘Desde quando você faz isso?’ Responde o ferroviário: ‘Já faz uns 20 anos, senhor’. ‘E para que serve’, pergunta o passageiro? ‘Ora, não faço a mínima ideia’, respondeu o ferroviário”. 

Muitos de nós talvez respondesse o mesmo a um bom número de perguntas sobre nossa vida espiritual e humana. Estamos dispostos a continuar fazendo determinadas coisas a que nos acostumamos, custe o que custar, desde que não sejamos obrigados a perguntar-nos para que as fazemos, aponta o Capelão de Oxford. 

No entanto, um bom ferroviário, consciente do seu ofício, sabe que a razão das pancadas de martelo nas rodas do trem é para certificar-se de que não havia nenhuma rachada, pois quando o metal racha o som é diferente. 

Eis a finalidade de um Retiro Espiritual: corremos como o trem ao longo da vida, e os anos passam sem o percebemos, como as estações em que o trem não para. Vamos nos acostumando ao movimento e ao ruído, até que acabamos por adormecer. É assustador pensar no peso que o trem tem de suportar e no desgaste natural. É bom, portanto, que de vez em quando o trem pare e alguém lhe dê umas marteladas para ver se não há nada de errado que o coloque em perigo. 

A sua fé, por exemplo. Talvez, não haja nada de errado nela, mas convém verificar. No Retiro Espiritual, continua Ronald Knox, “mais do que golpear as rodas de tua fé – coisas que ocorrerá de passagem –, o importante é rever as do teu caráter: as virtudes morais”. Em um Retiro Espiritual, é Deus quem toca a sua alma, usando o martelo de sua própria consciência. É bom observar se sua alma emite um som autêntico quando golpeada pelo martelo de sua consciência. 

Nesta Quaresma, tiremos como propósito anual parar o trem na Estação Retiro Espiritual. Que a graça de Deus e a ajuda do sacerdote “ferroviário” martele as rodas de nossa consciência, não tanto para consertá-las, mas para que certifique de que não estão fendidas, de que não há nada que soe rachado, desgastado, por causa de nossos pecados, de nossas afetações ou porque negamos a encarar as dificuldades e os problemas. 

Que a Virgem Maria, Mãe da Esperança, interceda por nós e nos acompanhe no caminho quaresmal. 

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