Entrando em junho, iniciamos o mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus – e por isso gostaríamos de propor mais uma vez à nossa recordação as maravilhas deste Coração amoroso, inspirados na bela encíclica Dilexit nos (DN), que o Papa Francisco nos deixou a esse respeito.
Um primeiro ponto a considerar, antes mesmo de falar no Sagrado Coração de Jesus, é a própria ideia de coração. De fato, na tradição bíblica, o coração é muito mais do que a mera sede dos afetos – nele está o próprio centro da pessoa, o lugar das decisões mais profundas, do discernimento, da verdade interior. Quando Sansão finalmente revela a Dalila o segredo íntimo de sua força, ela sente “que ele lhe tinha aberto todo o seu coração” (Js 16,18). É no coração que se decide o rumo da vida, e é ali que Deus fala, interpela, transforma (cf. DN 3-5).
O mundo em que vivemos, no entanto, muitas vezes nos impele a representar papéis, a administrar as aparências – e, assim, a viver como que às margens do nosso próprio coração. Vivemos muitas vezes à superfície de nós mesmos. O Evangelho, porém, convida-nos a um retorno ao coração: “Quem sou eu, de verdade? O que busco? A que destino me encaminho?” No coração se joga a sinceridade da existência – é o lugar em que não há mais máscaras: ali habitam nossos desejos mais reais, nossas feridas mais ocultas, nossa sede de sentido (cf. DN 6).
É neste lugar interior que ressoa a revelação central do Cristianismo: Deus tem um Coração. Em Jesus Cristo, o Verbo feito carne, não apenas ouvimos palavras sobre Deus: nós O vemos sofrer, chorar, compadecer-se, amar com gestos concretos (cf. DN 25). Jesus não nos amou de maneira abstrata: antes, Ele amou com lágrimas, com indignação, com fome, com o toque de sua mão. O seu Coração revela que a santidade não é indiferença, mas profundidade (cf. DN 44-45).
Ao mesmo tempo em que se manifesta com os sentimentos, no entanto, esse amor não é sentimentalista, mas profundamente real e decisivo. São Paulo enxergou as consequências do amor de Cristo, quando exclamou, falando da Cruz: “Ele me amou e Se entregou por mim”. Saber-se amado assim transforma tudo (cf. DN 46).
Assim é que, desde as primeiras gerações de cristãos, o Coração trespassado de Cristo na cruz foi enxergado como sinal visível desse amor sem reservas: de seu lado aberto nasce a Igreja, assim como Eva do costado de Adão, e dali brotam os sacramentos, a graça, a vida. Para Santo Agostinho, é ali que encontramos o lugar do repouso.
Com o tempo, essa devoção se difundiu da vida monástica para toda a Igreja, e foi ganhando novas expressões. Mas um momento culminante nesse processo veio com Santa Margarida Maria, que recebeu revelações privadas sobre o excesso do amor de Cristo, que se queixava da ingratidão dos homens. A ênfase dessa mensagem, contudo, não está na culpa, mas sim no excesso do amor: um Coração que deseja ser amado (cf. DN 119-120). Já em época mais próxima da nossa, Santa Teresinha encarnou esse mesmo espírito com a sua “pequena via”: confiança absoluta, mesmo nas quedas, e abandono confiante à misericórdia divina (cf. DN 136-141).
Consolar o Coração de Jesus: esta expressão, tantas vezes mal compreendida, nada tem de piegas. Trata-se de tomarmos a sério o fato de que o Ressuscitado, ainda que glorioso, conserva os sinais da Paixão – e que a dor dos homens O toca. Quando nos unimos a Ele, quando Lhe oferecemos nossa compaixão, nosso arrependimento, nossa resposta de amor, somos transformados. Não se trata de culpa, mas de gratidão! De um coração que, ao se reconhecer amado, se abre à ação do Espírito e deseja, por sua vez, amar (cf. DN 155-160).
Neste mês do Sagrado Coração, voltemos o nosso coração para o Coração Daquele que nos amou primeiro. Não há devoção mais exigente nem mais libertadora.