‘Se defraudei alguém, vou devolver’

Zaqueu era chefe dos cobradores de impostos ou publicanos. No tempo de Nosso Senhor, os publicanos eram infames, pois trabalhavam para os romanos, recebendo seus tributos abusivos e, desse modo, enriquecendo-se à custa do empobrecimento de seus compatriotas. Zaqueu era, por isso, “muito rico” (Lc 19,2). Para ele valiam as palavras de Jesus: “quão dificilmente entrarão no reino de Deus aqueles que possuem riquezas!” (Lc 18,24). 

Mas, já que “o que é impossível para os homens é possível para Deus” (Lc 18,27), o Espírito Santo movia o seu coração para coisas mais altas. Tendo ouvido falar do Senhor, enquanto Ele atravessava a cidade de Jericó, “Zaqueu procurava ver quem era Jesus” (Lc 19,3). Não era uma busca displicente ou apenas curiosa. A sua alma experimentava já algum remorso e intuía a grande oportunidade que se aproximava. Antes de ver o Senhor, contudo, Zaqueu teve de se deparar com uma limitação que, no conforto da coletoria de impostos – onde permanecia sentado à espera dos que iam, subservientes, ao seu encontro –, passava despercebida: a sua baixa estatura. Afinal, para que a busca ao Senhor chegue a bom termo, temos de reconhecer nossa pequenez. Zaqueu era rico, mas, entre a multidão, era só mais um… E, ainda, um “muito baixo”. 

Enfim, com confiança e ousadia, Zaqueu “correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus” (Lc 19,4). Conhecendo suas boas disposições, o Senhor “olhou para cima”. Para atraí-lo, perscrutou-o com caridade e indicou o que faltava à sua alma: “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa” (Lc 19,5). Era como se dissesse: humilha-te, abaixa-te, e terás intimidade Comigo. Surpreso, Zaqueu foi invadido por um sentimento de humildade e gratidão, semelhante ao do centurião: “Senhor, eu não sou digno de que entres sob o meu teto” (Lc 7,6). Da gratidão, nasceu o arrependimento profundo: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19,8). 

O arrependimento verdadeiro se traduz no desejo sincero de mudar de vida e de reparar o mal cometido. Zaqueu trocou a cobiça pela caridade; a injustiça pela compensação do mal praticado. Um arrependimento sem reparação do mal é incompleto e, possivelmente, falso. Aliás, o perdão dos pecados contra a justiça é condicionado à compensação do dano causa- do, sempre que esta for possível. Assim, além da Confissão sacramental, quem roubou deve ressarcir a coisa roubada, ou ao menos doar o correspondente à vantagem obtida. Quem caluniou deve desmentir a calúnia. Quem induziu o irmão ao erro deve se retratar. Quem pecou deve fazer penitência pelos pecados. 

Enfim, Jesus encontrou em Zaqueu um gigante, isto é, um homem sinceramente disposto a reparar o mal cometido. Por isso, disse: “hoje, a salvação entrou nesta casa” (Lc 19,9). Aconteceu o que era impossível aos homens. Que Deus nos dê um coração humilde e a graça de reparar o mal que fizemos e o bem que deixamos de praticar. 

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