Se os santos falassem

Um giro pelas igrejas do centro de São Paulo pode surpreender. Primeiro, pela quantidade de pessoas que as visitam. Depois, pelo modo como manifestam a própria fé. Umas entram, dão uma volta pela nave e logo se vão. Mas boa parte se detém por algum tempo diante do altar de cada santo. Ali se ajoelha, gesticula, às vezes reza em voz alta, antes de seguir para o próximo altar. Além da prece, porém, fazem questão de tocar na imagem. E se esta está fora do alcance, serve tocar em algo ligado a ela ou então na vela, num quadro, no sacrário ou no crucifixo.

A devoção se expressa pelo toque no símbolo sagrado, como se rezasse com as mãos. Toques longos, visivelmente dramáticos, alguns regados a suspiros e lágrimas!… Quantas penas e desabafos passam por ali? Quantas perguntas sem resposta? Quantas dores e males sem remédio? O fervor pede um alívio ao santo, a Maria ou a Cristo? As mulheres em especial, que são a maioria, quantos hematomas cuidadosamente escondidos dos próprios familiares, para não piorar a situação de um cotidiano brutal e violento!? Depõem ali sua angústia, na esperança de retornar para casa com uma gota de bálsamo que as permita, a pulso, levar adiante suas vidas amarguradas.

Não será o toque a linguagem de quem muito sofre ou muito ama? Quem em vida passou pelo céu ou pelo inferno sabe que sem o toque amigo é difícil erguer-se. Um toque nas costas, no ombro, no braço constitui uma poderosa alavanca para quem experimenta o medo e a tristeza, a frustração ou a impotência. A mãe o pressente naturalmente, mas todos necessitamos dessa “palavra feita de dedos” para levantar a cabeça, enxugar as lágrimas e seguir em frente. Se na igreja as pessoas buscam o santo é porque nele podem tocar, falar de suas mágoas, ao passo que Deus parece-lhes distante.

A existência humana é uma travessia por uma floresta de espinhos. Dela, ninguém sai imune aos arranhões. Diz-se que “não há feridas que não possam cicatrizar”. O toque solidário e a fala que encontra alguém disponível à escuta são verdadeiros remédios para os males do corpo e da alma, com maior razão numa metrópole gigantesca e sem ouvidos, como esta selva de pedra. São Paulo, a cidade das multidões, é também a cidade da solidão e do abandono. O universo urbano é o deserto moderno. Neste, apesar de tantos rostos e culturas, sentimo-nos anônimos e esquecidos. Em meio à multidão apressada, não há encontro, e sim atropelo e indiferença. Tropeçamos uns nos outros, mas fugimos desconfiados do toque e do olhar.

Jesus de Nazaré tocava e se deixava tocar pelos pobres e doentes que o procuravam. “Alguém me toucou”! Os discípulos tentam demovê-lo da ideia: “Não vês a confusão reinante”? A sensibilidade do Mestre tem consciência de que alguém, mais necessitado do que quem o segue, necessita do toque divino para a cura e a salvação. Ocorrerá o mesmo com tantos outros excluídos de uma sociedade cuja religião tinha se cristalizado em rituais e sacrifícios. A Boa Nova necessariamente passa pelo outro. A condição humana, nua e desamparada, reveste-se do toque divino que lhe confere uma visão nova e luminosa.

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