A relação entre fé e ciência tem seus momentos de turbulência, não tanto por causa de uma suposta contradição entre as duas – algo que não há -, mas, principalmente, por conta de guerra cultural entre uma mentalidade secularista que tenta a todo custo excluir a religião, e, junto dela, o próprio Deus, da vida cotidiana, e uma mentalidade fundamentalista, que busca fazer oposição a tudo o que surja como consequência desse secularismo.
Um dos grandes frontes de batalha nessa guerra cultural se dá na concepção de como surge a vida, de como desenrolou-se a magnifica história do surgimento das espécies. Essa questão, não raro, apresenta-se como uma disputa dualista entre a crença num Deus criador, capaz de fazer todas as formas de seres vivos, e uma evolução guiada somente por meios naturais. É uma falsa dicotomia entre Deus e evolução das espécies. Em diversas partes do mundo, essa falsa dicotomia é colocada, no de- bate público, como uma oposição entre Criacionismo e Evolucionismo, esta última sendo a explicação mais consolidada no cenário cientifico atual, enquanto que a primeira, uma teoria fundamentalista proposta sem muitas bases científicas que faz uma leitura literal do livro do Gênesis e o propõe como um livro de ciências.
Aqui no Brasil, infelizmente, essa batalha já chegou: na semana passada, a Universidade Mackenzie anunciou a criação de um núcleo de estudos sobre o Design Inteligente, uma espécie de meio termo entre o Criacionismo e a Teoria da Evolução, que tenta fazer uma conciliação entre um Deus que cria e um mundo que se descortina em uma exuberância de espécies de forma natural. O grande problema dessa corrente de pensamento é tentar provar, cientificamente, que Deus criou o universo. Isso não é possível, uma vez que o método da ciência natural não consegue ter como objeto o próprio Deus, mas somente o que se circunscreve dentro da Criação.
O que pouca gente sabe é que a Igreja Católica não vê oposição nenhuma entre a crença num Deus criador e a evolução das espécies por meios naturais; e, mais ainda, ela não precisou desenvolver uma doutrina para conciliar ambas, pois já são, na sua própria natureza, conciliáveis: as duas afirmações dizem respeito à mesma realidade sob aspectos diferentes.
Padre Guy Consolmagno, diretor do Observatório Vaticano, pôs essa questão de forma muito simples e clara: “nós cristãos acreditamos num Deus sobrenatural que é responsável pela existência do Universo, enquanto a ciência nos diz como Ele fez isso”.
De fato, toda essa polêmica já foi resolvida de forma magisterial pelo Papa Pio XII, na encíclica Humani Generis, em que o Pontífice até mesmo encoraja uma séria e profunda discussão sobre o tema da evolução, sempre respeitando o dogma da fé, mas sem negar as descobertas do campo científico. Em termos práticos, isso significa que os cristãos têm toda a liberdade de aprofundar seus estudos, apoiar a teoria da evolução, sem negar em nada a crença no Deus criador, justamente porque tratam da mesma realidade.
Nosso Deus pode, já que Ele é onipotente, criar todas as coisas por meio da evolução das espécies, sem problema algum. E, pelo que se descobriu através das ciências naturais até hoje, foi provavelmente assim mesmo que Ele fez. Não é necessário para um católico ade- rir ao Criacionismo, achando que a Teoria da Evolução é ateia, ou nega a criação realizada por Deus. Aliás, o Criacionismo acaba por reduzir a criação divina a algo passado, realizada há milhões de anos atrás, e já concluída. Limita o poder de Deus e, principalmente, a sua providência, que continua a sustentar sua Criação e se interessar por ela. Pensar de outro modo é colocar Deus no mesmo patamar de ídolos pagãos, que depois de fazerem algo se ausentavam totalmente da vida daquilo que havia criado.
É também interessante notar que o próprio Charles Darwin, propositor da Teoria da Evolução, concluiu sua obra “A Origem das Espécies” com o seguinte texto: “Há uma grandeza nessa visão da vida, com seus vários poderes, tendo ela sido lançada como o sopro da vida originalmente pelo Criador em poucas formas ou em uma; e que, enquanto este planeta vinha orbitando de acordo com a lei da gravidade estabelecida, a partir de um início tão simples, inúmeras formas, cada vez mais belas e maravilhosas foram, e continuam, evoluindo”.