Um gigante da beleza e da fé

É bem conhecida a ideia, que vem da Renascença, de que somos anões que conseguem enxergar mais longe porque subimos em ombros de gigantes. Fazemos essa experiência particularmente nos momentos de grandes mudanças, quando percebemos a desproporção entre a nossa sabedoria e os desafios que a história nos lança.

Para a Igreja, os tempos que se sucederam ao Concílio Vaticano II foram tempos mais ou menos assim, e quem os têm vivido intensamente sabe que muitos gigantes da fé frequentaram nossos templos e nossas comunidades – e, para a maioria de nós, pequenos anões na vida espiritual, ficam a alegria e o estímulo de termos sido acompanhados e orientados por esses gigantes. Infelizmente, algumas vezes nossos filtros ideológicos se tornam tapa-olhos que não nos deixam perceber a grandeza dessas personalidades, pois primeiro nos perguntamos quais eram as posições delas, para depois mergulharmos em sua riqueza humana e espiritual, mas isso é outra história…

Cláudio Pastro, o artista sacro paulistano, falecido há cinco anos, foi um desses gigantes. Provavelmente o maior artista sacro brasileiro desde Aleijadinho, deixou uma vasta obra que reflete a renovação religiosa e litúrgica do Concílio Vaticano II. Além disso, seu trabalho sintetiza o encontro desse movimento de renovação com a tradição artística do catolicismo oriental, com seus ícones e suas grandes igrejas em estilo bizantino, e a arte moderna latino-americana, desde a singeleza de uma Tarsila do Amaral até a grandiosidade dos murais de Diego Rivera.

Sua obra máxima, o interior da Basílica de Aparecida, representa essa síntese de estilos e tradições num trabalho que é único, em sua grandiosidade, complexidade e riqueza de detalhes, mas ao mesmo tempo é o retrato fiel de nosso momento da história da Igreja e da cultura latino-americana. Não por acaso, alguns o apelidaram de Michelangelo brasileiro. Tal como o gênio italiano, também Cláudio Pastro pode ser considerado como o representante exemplar de uma realidade histórica.

Alguns não aprovavam seu traço moderno, que se afastava do padrão barroco predominante na arte sacra devocional brasileira. Outros tinham dificuldade com sua adesão incondicional à beleza do Mistério cristão, a sua negação de qualquer leitura sociologizante ou ideológica da fé.

Mas são justamente essas características que tornam sua arte tão especial. Quem contempla suas obras com olhar desprovido de preconceitos mergulha na beleza do Mistério, representado de forma simples e tão exuberante quanto as cores vivas que emprega, tão elegante quanto seus traços.

Ele praticava uma dedicação integral à arte sacra, ciente de que estava colaborando para criar, nas paredes das igrejas que pintava ou projetava, uma verdadeira Biblia pauperum, a Bíblia dos pobres iletrados, composta apenas por ilustrações, da tradição medieval. Nesse sentido, nenhum detalhe de suas obras, da inclinação de um rosto à posição de um ambão, era deixado ao acaso. Tudo tinha um sentido pedagógico. Suas composições são feitas para serem admiradas em camadas nas quais vamos nos aprofundando, da primeira impressão apenas estética até a reflexão sobre a mensagem expressa nas cenas retratadas.

Mas o próprio Cláudio não se sentiria bem sendo alvo de panegíricos e louvações. Para ele, o artista era alguém a serviço de Deus e da comunidade, tanto que nem queria assinar suas primeiras obras. O que lhe interessava é que as pessoas encontrassem a fé não como norma artificiosa, mas sim como beleza do amor que transcende toda outra experiência humana.

Que todos nós, e a Igreja de São Paulo, onde ele viveu e trabalhou, possamos subir nos ombros desse gigante e contemplar de lá os horizontes infinitos da Graça.

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