Um grito por Justiça

Em 5 de fevereiro, ocorreram pelo País várias manifestações populares, uníssono grito de justiça por Moïse. Os eventos foram promovidos, entre outras forças, pelos movimentos negros. Intelectuais e celebridades, atores e artistas, entidades e instituições também ergueram sua voz no combate ao preconceito e à discriminação, ao racismo e à xenofobia. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), junto com as pastorais e os movimentos sociais, publicou uma nota de repúdio, exigindo pronta punição para os assassinos e mandantes.

Moïse Mugenyi Kabagambe foi barbaramente assassinado por três rapazes, a socos, pontapés e pauladas, no dia 24 de janeiro, junto ao quiosque Tropicália, situado na praia da Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro. Tratava-se de um imigrante congolês, de 24 anos, que vivia com a família. Acabara de reclamar o pagamento por serviços prestados. Foi amarrado e espancado até a morte.

Duas perguntas que não podem e não querem calar. Primeira: haverá alguém por trás dos três rapazes que eliminaram o congolês de forma brutal e violenta? Em outras palavras, a pergunta é se existem e quem seriam os mandantes do crime? Depois: por que ocorre uma morte com tais requintes de crueldade no Brasil de hoje, sendo que as trágicas imagens navegam de maneira tão célere pelas redes sociais?

As duas perguntas convergem na mesma direção. Para além dos homens que golpearam o pobre imigrante (os quais, evidentemente, não podem ser inocentados), hoje no País vivemos e nos movemos no interior de uma espécie de bolha pesada de ódio, mentira, ataques e agressividade. Da mesma maneira que a COVID-19 contaminou milhões de corpos, já tendo causado mais de 630 mil mortes, o vírus da violência contaminou milhões de corações e mentes. A atmosfera se encheu de um oxigênio envenenado, que banaliza a morte e normaliza a criminalização. Em síntese, Moïse foi assassinado pela discórdia e polarização ideológica que divide o Brasil.

Evidente que, em semelhante cenário, as vítimas acabam sendo os mais vulneráveis. Mulheres e crianças, por exemplo, encontram-se mais expostas durante a pandemia. Não raro, a violência se abate sobre aqueles que habitam debaixo do mesmo teto. O mesmo se pode dizer dos migrantes, negros, indígenas, quilombolas, povo em situação de rua. Desemprego, subemprego e trabalho informal pioram ainda mais a precariedade das condições de trabalho e moradia dos pobres, fechando outras portas aos direitos e à dignidade humana. Verifica-se, por outro lado, um grande deslocamento de migrantes – venezuelanos, haitianos e bolivianos; sírios e afegãos; angolanos, congoleses, senegaleses e tantos outros africanos. A migração às vezes vem acompanhada de rechaço e intolerância, especialmente com a ascensão de governos de extrema-direita, ligados ao nacional populismo. Qual o desafio? Demonstrar, agora mais do que nunca, que o Brasil é sim um país acolhedor e, historicamente, formado por negros, brancos e indígenas. Boa parte da população é de origem afro-brasileira.

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