Um peregrino da paz

Entre a sexta-feira, 5, e a segunda-feira, 8, o Papa Francisco fez uma histórica visita apostólica ao Iraque – país envolvido já há duas décadas em sucessivas guerras e convulsões sociais. Ao longo desse período, a população católica no país de 38 milhões de habitantes caiu de 1,4 milhão para cerca de 400 mil pessoas, não apenas como vítimas diretas dos atentados terroristas, mas, também, como exilados em razão da perseguição religiosa. Francisco foi o primeiro Papa a visitar os cristãos no Iraque – e assim realizou um antigo sonho, não cumprido, de São João Paulo II.

A tônica de toda a viagem foi declarada já nos primeiros compromissos oficiais, quando o Pontífice se encontrou com as autoridades civis e diplomáticas, no Palácio Presidencial e, depois, com os bispos, sacerdotes, religiosos e fiéis, na Catedral de Nossa Senhora da Salvação.

A ambos os grupos, com efeito, o Santo Padre deu ênfase à ideia central de que a verdadeira religiosidade e o amor a Deus só podem se traduzir no amor aos demais homens: “Os verdadeiros ensinamentos das religiões convidam a permanecer ancorados aos valores da paz, (…) do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum”, e “o incitamento à guerra, os comportamentos de ódio, a violência e o derramamento de sangue são incompatíveis com os ensinamentos religiosos”.

Essa convivência pacífica só se torna possível, continuou o Papa, quando tivermos em mente a “identidade mais profunda que temos: a de filhos do único Deus e Criador” – pois, como ensina o Concílio Vaticano II, “não podemos (…) invocar a Deus, como Pai comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos alguns dentre os homens, criados à Sua imagem” (Declaração sobre a Igreja e as religiões não cristãs, Nostra aetate, 5).

Aos cristãos, de forma especial, o Papa dirigiu um apelo a que evangelizem seus compatriotas “sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho” – e assim combatam o “vírus do desânimo” com a vacina da esperança, “que nasce da oração perseverante e da fidelidade diária ao nosso apostolado”. Exortou-os, ainda, a que evangelizem “fortalecidos pelo sangue dos mártires” – dentre eles os 48 cristãos que haviam sido vítimas de um atentado terrorista, cometido naquela mesma catedral, em 31 de outubro de 2010.

A influência e a repercussão sim bólica de uma visita como esta não devem ser subestimadas – sobretudo se, olhando retrospectivamente, nos lembrarmos, por exemplo, do peso que tiveram para o fim dos regimes totalitários no Leste Europeu as exortações e visitas de São João Paulo II. Desta vez, o Papa Francisco, em comunhão de interesses com autoridades civis e religiosas muçulmanas, exorta a todos os iraquianos e tementes a Deus a buscarem uma coexistência pacífica e respeitosa.

Confiemos, portanto, a Deus os bons frutos desta visita do Papa, que, como Bom Pastor, não hesita em se envolver, em colocar-se em meio às ovelhas que sofrem, e ir a seu socorro. Possam todos os filhos de Abraão suplicar ao Deus da paz pela cessação das hostilidades, pois Ubi caritas et amor, Deus ibi est – “Onde há o amor e a caridade, Deus aí está”.

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