Dias atrás, circulou nas mídias uma pesquisa sobre a crença na vida após a morte, publicada pela WVS (World Values Survey), mostrando a percentagem de pessoas que, em diversos países, acreditam, ou não, em vida após a morte. Nos países escandinavos, países do Báltico, Alemanha, Espanha e Portugal são cerca de 39%; na Rússia, são 38,7%; na China, apenas 11,5%; na Itália, França e Grã-Bretanha, não chegam a 50%; no Brasil, Argentina, Austrália e Canadá, em média, são 58%; nos Estados Unidos, 68,2%; no México, 70,8%. Nos países de maioria muçulmana, o percentual dos que acreditam em vida após a morte é bem mais alto, passando de 90% no Paquistão, Turquia e Irã, e chegando a mais de 95% em Marrocos, Líbia e Bangladesh.
Essa diferença na convicção sobre a vida após a morte entre países de longa tradição cristã e os de tradição muçulmana é intrigante. Quais serão os motivos que levam o povo de fé cristã crer menos na vida após a morte do que os de tradição muçulmana? Evidentemente, a questão precisa ser compreendida a partir de sua complexidade, e o conceito de “vida após a morte” não é unívoco. Para os cristãos, “vida após a morte” inclui a ressurreição e a vida eterna e não a “reencarnação”, assumida por várias culturas. De toda maneira, o que está em questão é se a vida se extingue, simplesmente, com a morte corporal, ou segue adiante, de alguma maneira.
Para os cristãos, a afirmação da vida após a morte corporal é fundamental e faz parte da compreensão que temos sobre a existência humana. Antes de tudo, proclamamos na nossa Profissão de Fé: “Creio na ressurreição da carne (ou dos mortos) e na vida eterna”. Esses são dois elementos integrantes da nossa fé cristã e a sua negação comprometeria nossa condição de cristãos. Afirmamos que Deus não fez o ser humano para a morte eterna, mas para a vida eterna. A morte corporal é parte da existência humana, mas não é a última etapa da existência. Sobre o modo como se darão a ressurreição da carne e a vida eterna, podemos apenas especular racionalmente. O certo é que isso não está no domínio do homem, mas do poder de Deus. São dons de Deus a vida eterna e seu chamado a participar, desde agora, de sua vida e sua felicidade. A sua plenitude se dará apenas na vida eterna.
O ensinamento sobre a ressurreição e a vida eterna está solidamente fundamentado nos ensinamentos de Jesus Cristo. Em uma discussão com alguns saduceus, Ele afirma que Deus “não é o Deus dos mortos, mas dos vivos, porque, para Deus, todos vivem” (cf. Lc 20,38). Na longa reflexão sobre o “pão da vida” (João,6), Jesus afirma mais de uma vez que Ele é “o pão da vida” e quem dele comer “possui a vida eterna” (cf. Jo 6,51). E diz a Marta, sem meias palavras: “Eu sou a ressurreição e a vida”.
“Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá” (Jo 11,25-26). Ao bom ladrão, Jesus promete a vida eterna para imediatamente: “Hoje, estarás comigo no paraíso” (Lc 23,42-43). Para negar a fé na ressurreição e na vida eterna (vida após a morte), seria necessário riscar muitas páginas do Evangelho e dos ensinamentos de Jesus.
Desde os Apóstolos, o ensinamento sobre a ressurreição dos mortos e a vida eterna foi fiel e firmemente transmitido pela Igreja. São Paulo ensina que Cristo ressuscitado é o “primogênito dentre os mortos” que ressuscitou e que também os demais humanos, pela fé em Cristo ressuscitado, participarão da vida do Ressuscitado: “como em Adão todos morreram, em Cristo todos reviverão” (1Cor 15 22). E com força ensina que “este ser corruptível deve ser revestido de incorruptibilidade e este ser mortal deve ser revestido de imortalidade” (cf. 1Cor 15,54-57). E que a própria morte será vencida e desaparecerá, graças ao poder de Deus (cf. 1Cor 15,26). Entre muitas outras referências ao nosso chamado à participação na vida eterna, vale acenar ainda a esta passagem dos ensinamentos de São Paulo: “Como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação e vã, a vossa fé. (…) Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão” (1Cor 15,12-14.19).
Diante dos dados da pesquisa, acima acenados, a questão que nos deve levar a refletir é esta: por que a fé na ressurreição e na vida eterna tem índices de aceitação tão pouco expressivos entre os povos de longa tradição cristã? Mesmo no Brasil, em que os cristãos (católicos, ortodoxos, anglicanos, evangélicos) somam mais de 85% da população, aqueles que acreditam em vida após a morte não chegam a 60%. Em conclusão, muitos cristãos não creem nas palavras do Evangelho sobre a vida eterna e a ressurreição dos mortos. Quais seriam os motivos? Podemos aludir ao avanço do indiferentismo religioso ou do materialismo como convicção de vida.
No entanto, mesmo se essa explicação for verdadeira, ela não é a única e nos leva a perguntar: será que nós, cristãos, falamos bastante da vida eterna e alimentamos a fé no Deus da vida e da esperança? Em nossas catequeses e homilias, quantas vezes falamos dessas verdades centrais de nossa fé? O Ano Jubilar oferece uma ocasião para reavivarmos nossa esperança na vida eterna.