Apesar de aparentemente distante do cotidiano da maioria dos cristãos, a vida monástica nos fornece verdadeiros tesouros de espiritualidade e grandes lições de vida.

Este ano de 2025 começou com uma notícia triste: a páscoa de Dom Bernardo Bonowitz, primeiro abade do Mosteiro Nossa Senhora do Novo Mundo, de Campo do Tenente (Paraná), depois de alguns anos enfermo. Um judeu novaiorquino, convertido ao catolicismo aos 19 anos, viveu 24 anos como monge trapista no Brasil. Aqui, deixou uma herança riquíssima que chega até nós em artigos e homilias, retiros espirituais e livros. Seu pensamento, sempre original, parte da experiência monástica e universaliza a fé.
Entre suas obras, está a coletânea Na presença de se povo reunido, que reúne 45 homilias cobrindo as celebrações correntes do ano litúrgico, além de ritos sacramentais, entrada de noviços no Mosteiro e renovação de votos. Sua abordagem é profunda e bem-humorada, jogando uma luz sempre nova nos Evangelhos a partir de experiências pessoais como abade e mestre de noviços. Ele relaciona o aprendizado do português em seus primeiros tempos no Brasil e a insistência dos professores para que não se comunicasse em nenhum momento em inglês, por exemplo, à busca de Deus em “águas profundas”: afogar-se na língua para dominar o idioma.
A vida do monge, para ele, é similar a entrada de Cristo em Jerusalém: não pelos próprios pés, mas em cima de um burro. “O monge, assim como Cristo, é objeto paciente da realidade, vive exposto a ela, com uma abertura constante à vontade de Deus. E por meio dessa não resistência à realidade, desta obediência até a morte, este consentimento em deixar Deus, os irmãos, as circunstâncias, nós monges conseguimos fazer das palavras diárias ‘venha a nós o vosso reino’ uma oração eficaz”, escreve na homilia de Domingo de Ramos.
Em outro trecho, sobre como Deus sempre cumpre suas promessas, Dom Bernardo cita a transfiguração. Cristo conversa com Moisés e Elias, no monte, diante dos apóstolos. A missão de Moisés não era entrar com o povo na terra prometida, mas chegar ao ponto de máxima saudade, no qual o objeto de todo o seu querer está próximo… e, todavia, continua distante. “Moisés, humilde, entendia muito bem que esse não era seu papel, deu graças pela imensa confiança que Deus lhe tinha mostrado e esperava um dia ver face a face aquele a quem caberia realizar o último trecho, a reta final. Na transfiguração, Moisés e Elias (e neles todos os patriarcas e profetas) recebem essa imensa graça de ver e de conversar com Aquele que foi escolhido para atravessar o Jordão, ir à frente do povo eleito e guiá-lo ao reino dos céus […] E agora podem descansar porque seus olhos tinham visto Aquele que ia cuidar do seu povo. Moisés e Elias e a família inteira de santos da primeira aliança vieram para ver e venerar Aquele que por sua morte ia transformar nosso destino”. O cetro de Moisés, que abriu o Mar Vermelho, é agora a Cruz de Cristo.
Em uma das últimas homilias do livro, Dom Bernardo discorre sobre a plenitude do ser. Escrevendo sobre a Ascensão do Senhor após o convívio com os apóstolos, diz: “Contemplamos na obscuridade da fé, a sua glória, e captamos, com uma tremenda alegria, que esta glória nos espera também – não como prêmio de um processo de autoconstrução, mas como a suprema e eterna expressão do amor que Deus tem para conosco. Que alegria, quando ouvi o que me disseram: vamos à casa do Senhor. Lá Deus Pai nos aguarda, o Senhor Jesus nos aguarda, prontos para dar-nos o dom de nós mesmos”.