A bem-humorada sabedoria de Dom Bernardo Bonowitz

Apesar de aparentemente distante do cotidiano da maioria dos cristãos, a vida monástica nos fornece verdadeiros tesouros de espiritualidade e grandes lições de vida.

BONOWITZ, Bernardo. Na presença de seu povo reunido. Juiz de Fora: Ed. Subiaco, 2006.

Este ano de 2025 começou com uma notícia triste: a páscoa de Dom Bernar­do Bonowitz, primeiro abade do Mos­teiro Nossa Senhora do Novo Mundo, de Campo do Tenente (Paraná), depois de alguns anos enfermo. Um judeu no­vaiorquino, convertido ao catolicismo aos 19 anos, viveu 24 anos como mon­ge trapista no Brasil. Aqui, deixou uma herança riquíssima que chega até nós em artigos e homilias, retiros espiritu­ais e livros. Seu pensamento, sempre original, parte da experiência monásti­ca e universaliza a fé.

Entre suas obras, está a coletânea Na presença de se povo reunido, que reúne 45 homilias cobrindo as cele­brações correntes do ano litúrgico, além de ritos sacramentais, entrada de noviços no Mosteiro e renovação de votos. Sua abordagem é profunda e bem-humorada, jogando uma luz sempre nova nos Evangelhos a partir de experiências pessoais como abade e mestre de noviços. Ele relaciona o aprendizado do português em seus primeiros tempos no Brasil e a insis­tência dos professores para que não se comunicasse em nenhum momen­to em inglês, por exemplo, à busca de Deus em “águas profundas”: afogar­-se na língua para dominar o idioma.

A vida do monge, para ele, é simi­lar a entrada de Cristo em Jerusalém: não pelos próprios pés, mas em cima de um burro. “O monge, assim como Cristo, é objeto paciente da realidade, vive exposto a ela, com uma abertura constante à vontade de Deus. E por meio dessa não resistência à realida­de, desta obediência até a morte, este consentimento em deixar Deus, os ir­mãos, as circunstâncias, nós monges conseguimos fazer das palavras diá­rias ‘venha a nós o vosso reino’ uma oração eficaz”, escreve na homilia de Domingo de Ramos.

Em outro trecho, sobre como Deus sempre cumpre suas promes­sas, Dom Bernardo cita a transfigu­ração. Cristo conversa com Moisés e Elias, no monte, diante dos apóstolos. A missão de Moisés não era entrar com o povo na terra prometida, mas chegar ao ponto de máxima saudade, no qual o objeto de todo o seu querer está próximo… e, todavia, continua distante. “Moisés, humilde, entendia muito bem que esse não era seu papel, deu graças pela imensa confiança que Deus lhe tinha mostrado e esperava um dia ver face a face aquele a quem caberia realizar o último trecho, a reta final. Na transfiguração, Moisés e Elias (e neles todos os patriarcas e profetas) recebem essa imensa graça de ver e de conversar com Aquele que foi escolhido para atravessar o Jordão, ir à frente do povo eleito e guiá-lo ao reino dos céus […] E agora podem descansar porque seus olhos tinham visto Aquele que ia cuidar do seu povo. Moisés e Elias e a família inteira de santos da primeira aliança vieram para ver e venerar Aquele que por sua morte ia transformar nosso destino”. O cetro de Moisés, que abriu o Mar Vermelho, é agora a Cruz de Cristo.

Em uma das últimas homilias do livro, Dom Bernardo discorre sobre a plenitude do ser. Escrevendo sobre a Ascensão do Senhor após o conví­vio com os apóstolos, diz: “Contem­plamos na obscuridade da fé, a sua glória, e captamos, com uma tremen­da alegria, que esta glória nos espera também – não como prêmio de um processo de autoconstrução, mas como a suprema e eterna expressão do amor que Deus tem para conosco. Que alegria, quando ouvi o que me disseram: vamos à casa do Senhor. Lá Deus Pai nos aguarda, o Senhor Jesus nos aguarda, prontos para dar-nos o dom de nós mesmos”.

Deixe um comentário