Os Jubileus, entre o povo judeu, tinham um profundo significado religioso, social e econômico. O ano do Yōbēl, representa um período de restauração e libertação, celebrado a cada quinquagésimo ano, com profundo impacto na vida da comunidade.

Nos mais diferentes povos e culturas, encontramos ritos de expiação e reconciliação com a divindade ou com a própria natureza divinizada. A despeito de todas as racionalizações da Modernidade, o ser humano sempre teve ao menos uma intuição do próprio mal. Do “pecado original” que o distancia de seu Criador – e sempre procurou, com seus ritos, suas tradições e suas leis, encontrar formas de reparar essa fratura que o separa de Deus, de seus semelhantes, do mundo criado e, paradoxalmente, de si próprio.
Em uma resposta a essa ânsia sempre presente, Deus instruiu o povo hebreu a viver, periodicamente, um grande tempo de expiação, reconciliação e pacificação. Estes eram os jubileus. Aconteceriam sempre no quinquagésimo ano, depois de 7 ciclos de 7 anos. Seu início era anunciado pelo toque das trombetas de chifres de carneiro (o shofar), que deveriam ressoar por toda a terra de Israel. A própria palavra Jubileu teria origem no hebraico yōbēl, que estaria associada a esta trombeta de chifre. Alguns autores, contudo, consideram que a primeira associação seria com a palavra para afluente ou fluxo de água. O jubileu seria um tempo de passagem, de fluxo. Posteriormente, a palavra teria sido associada também à trombeta que anunciava a festa.
Um evento que abraça a vida em sua totalidade. O Livro do Levítico (25, 1-55) nos esclarece sobre esse tempo e as obrigações em que implicava. São instruções que Deus transmite a Moisés no Monte Sinai, referentes a como os israelitas devem se portar na terra que Ele haverá de dar-lhes:
“Durante seis anos semearás a tua terra, durante seis anos podarás a tua vinha e recolherás os seus frutos. Mas o sétimo ano será um sábado, um repouso para a terra, um sábado em honra do Senhor: não semearás o teu campo, nem podarás a tua vinha, não colherás o que nascer dos grãos caídos de tua ceifa, nem as uvas de tua vinha não podada, porque é um ano de repouso para a terra […] Contarás sete anos sabáticos, sete vezes sete anos, cuja duração fará um período de quarenta e nove anos. Tocarás então a trombeta no décimo dia do sétimo mês: tocareis a trombeta no dia das Expiações em toda a vossa terra. Santificareis o quinquagésimo ano e publicareis a liberdade na terra para todos os seus habitantes. Será o vosso jubileu. Voltareis cada um para as suas terras e para a sua família […]
Não semeareis, não ceifareis o que a terra produzir espontaneamente, e não vindimareis a vinha não podada, pois é o jubileu que vos será sagrado […] Se disserdes: que comeremos nós no sétimo ano, se não semearmos, nem recolhermos os nossos frutos? Eu vos darei a minha bênção no sexto ano, e a terra produzirá uma colheita para três anos […]
“A terra não se venderá para sempre, porque a terra é minha, e vós estais em minha casa como estrangeiros ou hóspedes. Portanto, em todo o território de vossa propriedade, concedereis o direito de resgatar a terra […] A terra vendida ficará nas mãos do comprador até o ano jubilar; sairá do poder deste no ano do jubileu, e voltará à posse do seu antigo dono […]
Se teu irmão se tornar pobre junto de ti, e as suas mãos se enfraquecerem, sustentá-lo-ás, mesmo que se trate de um estrangeiro ou de um hóspede, a fim de que ele viva contigo […] Se teu irmão se tornar pobre junto de ti e se vender a ti, não exigirás dele um serviço de escravo. Estará em tua casa como um operário, e como um hóspede estará a teu serviço até o ano jubilar. Sairá então de tua casa, ele e seus filhos, com ele voltará para a sua família e para a herança de seus pais, porque os filhos de Israel são meus servos que tirei da terra do Egito. Eu sou o Senhor, vosso Deus”
Não se tratava de um evento religioso apenas. Ele adentrava na estrutura da própria sociedade, restabelecendo uma justiça que seria impossível segundo apenas a lei humana. As terras seriam restituídas, os escravos seriam libertados, as dívidas seriam perdoadas. Até mesmo a natureza repousaria. A misericórdia seria experimentada e transmitida por todo o povo. Cada um poderia se reconhecer beneficiário e protagonista da Lei de Deus.
Tempo de confiança no Senhor. Os jubileus tinham um impacto significativo na sociedade israelita. Deveriam garantir certo equilíbrio econômico, evitando que as desigualdades crescessem a ponto de comprometer a estrutura social. Numa nação dependente da atividade agropastoril, a restituição de terras evitava a acumulação de riqueza por poucos e procurava permitir que todas as famílias tivessem acesso aos meios de subsistência.
Mas seria muito redutivo pensar neles apenas por seu significado socioeconômico. Sua força nasce, sem dúvida, de seu profundo chamado religioso. É um povo que se encontra ao se compreender “sendo do Senhor”, na medida em que cada um entrega-se a Ele com confiança. A terra pode descansar, os seres humanos podem permanecer em paz mesmo não cultivando porque Ele lhes dará suas bençãos, para que o alimento permanece suficiente mesmo neste ano. As diferenças sociais e os tratamentos desiguais não devem ser tolerados porque os filhos de Israel pertencem a Deus – e não uns aos outros.
O povo que vive o tempo do jubileu se liberta na medida que se entrega confiante ao Senhor. Nessa entrega, se regenera a humanidade ferida pelo pecado, se recuperam os vínculos sociais corrompidos pelo egoísmo, a própria natureza se revela pródiga e acolhedora, como era na origem dos tempos.