A piedade popular na Evangelii Gaudium

Nas passagens a seguir de sua encíclica sobre a Alegria do Evangelho (EG 123-126), Papa Francisco nos explica o justo sentido da piedade popular 

Na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se. Vista por vezes com desconfiança, a piedade popular foi objeto de revalorização nas décadas posteriores ao Concílio. Quem deu um impulso decisivo nesta direção, foi Paulo VI na sua Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi (EN). Nela explica que a piedade popular “traduz em si uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar” e “torna as pessoas capazes para terem rasgos de generosidade e predispõe-nas para o sacrifício até ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé” (EN 48). Já mais perto dos nossos dias, Bento XVI, na América Latina, assinalou que se trata de um “precioso tesouro da Igreja Católica” e que nela “aparece a alma dos povos latino-americanos” (Discurso na Sessão inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe,13/maio/2007).

No Documento de Aparecida (DAp), descrevem-se as riquezas que o Espírito Santo explicita na piedade popular por sua iniciativa gratuita. Naquele amado Continente, onde uma multidão imensa de cristãos exprime a sua fé através da piedade popular, os Bispos chamam-na também “espiritualidade popular” ou “mística popular” (DAp 262). Trata-se de uma verdadeira “espiritualidade encarnada na cultura dos simples” (DAp 263). Não é vazia de conteúdos, mas descobre-os e exprime-os mais pela via simbólica do que pelo uso da razão instrumental e, no ato de fé, acentua mais o credere in Deum (N.E.: “crer em Deus”, num sentido que salienta o afetivo) que o credere Deum (N.E.: “crer a Deus”, num sentido que salienta o intelectual). É “uma maneira legítima de viver a fé, um modo de se sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionários” (DAp 264); comporta a graça da missionariedade, do sair de si e do peregrinar: “O caminhar juntos para os santuários e o participar em outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador” (DAp 264) […]

Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente, que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo crucificado. Quem ama o povo fiel de Deus, não pode ver estas ações unicamente como uma busca natural da divindade; são a manifestação duma vida teologal animada pela ação do Espírito Santo, que foi derramado em nossos corações (cf. Rm 5, 5).

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