Basílica de Aparecida: a beleza que nos leva ao encontro do Mistério

A proposta da arte litúrgica apresentada no Santuário de Aparecida é levar quem a contempla a ter uma experiência de fé. O verdadeiro conhecimento é alcançado pelo dardo da beleza que fere o homem, para ser tocado pela realidade, pela presença pessoal do próprio Cristo em sua Paixão, Morte e Ressurreição. Ser afetado e conquistado por meio da beleza de Cristo produz um conhecimento mais real e mais profundo do que a mera dedução racional.

Milagre da pesca (a imagem é encontrada). Painel localizado na rampa de acesso ao nicho da imagem de Nossa Senhora Aparecida, mostra os pescadores encontrando a imagem (que vem com a cabeça separada do corpo). Animais e plantas ajudam a situar a cena. As garças brancas aludem a Guaratinguetá (terra das garças brancas, em tupi), cidade à qual pertencia o vilarejo dos pescadores (também representado no canto superior). As palmeiras, que na linguagem bíblica lembram o oásis, o local do repouso e da paz, também se referem ao Morro dos Coqueiros, próximo ao local onde a imagem foi encontrada, e a Pindorama (terra das palmeiras, nome tupi do Brasil). Plantas de lugares úmidos associam-se ao rio, e a rede, que veio repleta de peixes quando a imagem foi encontrada, indica a abundância que Deus, por intercessão de Nossa Senhora, dá a seu povo.
Luciney Martins/O SÃO PAULO

A arte proposta no Concílio Vaticano II serve à liturgia, é uma arte litúrgica, que não é uma novidade, pois o Concílio convida a ir às fontes, isto é, a conhecer mais de perto como foi a arte no primeiro milênio cristão: a arte paleocristã, a arte bizantina e a arte românica. Não como volta saudosista ao passado! Esta arte milenar sofre um aggiornamento, uma atualização, em diálogo com o nosso tempo.

O Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida insere-se nesse processo, ainda que sua construção tenha se iniciado em 1955, antes do Concílio. O projeto foi feito pelo arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto (1906-1972), seguindo o estilo neobasilical românico, em perfeito diálogo com a arte contemporânea. Posteriormente, coube ao artista sacro Cláudio Pastro (1948- 2016) fazer o projeto do revestimento interno de grande parte da Basílica. Como acontece nas grandes catedrais espalhadas pelo mundo, gerações estão envolvidas na obra, ainda em andamento. Além disso, não existe um único “grande patrocinador”. Vem sendo financiada pela contribuição dos romeiros e visitantes. Obra de um povo, cada um, pobre ou rico, artista ou trabalhador braçal, clérigo ou leigo, dá sua contribuição para o conjunto.

A Tradição em diálogo com a contemporaneidade. Nos traços de Pastro percebemos a inspiração na arte primitiva cristã, a dignidade hierática do ícone bizantino, traços e cores da arte românica e a modernidade de vários artistas, como o francês Henry Matisse (1869-1954). Ciente de que o Santuário Nacional é lugar de comunhão do cristão romeiro, juntou com elegância a piedade popular e a sagrada liturgia proposta pelo Concílio, de forma que quem entra na Basílica se sinta atraído por uma beleza essencial e, mesmo sem entender por que, contempla, se ajoelha e reza!

O artista sacro não pretende simplesmente ilustrar um episódio bíblico, limitando o significado das imagens das igrejas, pois a tradição cristã, especialmente a oriental, apresenta uma arte que se preocupa em mostrar o conteúdo, o Mistério, não apenas a descrição dele. Essa arte tem o propósito de evocar uma Presença, abrir-se para o Mistério, dar continuidade à obra da encarnação da Palavra graças ao Espírito Santo que nos permite contemplar a Face desta Palavra, Jesus Cristo, Deus e Homem.

A linguagem simbólica, retamente entendida, nos afasta da falsa questão do retrato palpável, apreendido pelos nossos sentidos, mas nos atrai para um caminho interior, rumo ao Cristo ressuscitado que está para voltar. A dinâmica do símbolo é, em tudo e por tudo, idêntica à dinâmica da liturgia. É o Espírito Santo que nos torna capazes de ver a sua obra e sempre libera uma ação em direção a Cristo. “Embebei-vos do Espírito, bebamos Cristo”, nos diz Santo Atanásio (296-373).

Desde o princípio, a arte esteve sempre junto ao Cristianismo. Por quê? Porque a verdadeira Beleza, que é Cristo, não é estética, nem filosófica, nem racionalista, mas é uma forma de conhecimento, pois nos atrai com a grandeza da verdade.

Agradecemos à Profa. Wilma Tommaso por esse artigo, que é uma adaptação do seu Prefácio ao livro Basílica de Aparecida: a fé pela arte (Aparecida: Editora Santuário, 2023), que conta ainda com textos de Cláudio Pastro, Padre Antonio Cleyton Sant’Anna, C.Ss.R., Victor Hugo Barros e, João Pedro Ribeiro Pena)

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Ivete Regina
Ivete Regina
9 meses atrás

Que belo artigo e relevantes explicações ! Grata por essa cultura compartilhada conosco!