Em nosso tempo, marcado pela desinformação e pela manipulação das consciências, por meio de discursos ideológicos e/ou carregados de ódio, o Papa Francisco, nesta passagem da Carta sobre a renovação do estudo da história da Igreja, alerta para a importância da memória e do estudo da história

A necessidade de uma maior consciência histórica torna-se mais urgente no momento em que se alastra a tendência de tentar dispensar a memória ou de construir uma memória à medida das necessidades das ideologias dominantes. Frente ao apagamento do passado e da história ou diante das narrativas históricas “tendenciosas”, o trabalho dos historiadores, bem como o seu conhecimento e ampla divulgação, podem funcionar como um freio às mistificações, aos revisionismos interesseiros e a esse uso público particularmente empenhado em justificar guerras, perseguições, produção, venda e consumo de armas e tantos outros males.
Temos hoje uma enxurrada de memórias, muitas vezes falsas, artificiais e até inverídicas, e, ao mesmo tempo, uma ausência de história e de consciência histórica na sociedade civil e, também, nas nossas comunidades cristãs. Tudo se agrava ainda mais se pensarmos em histórias cuidadosas e secretamente pré-fabricadas, que servem para forjar memórias ad hoc, memórias identitárias e de exclusão. O papel dos historiadores e o conhecimento das suas descobertas são hoje decisivos e podem ser um dos antídotos contra este regime mortífero de ódio que se assenta na ignorância e no preconceito.
Ao mesmo tempo, o conhecimento aprofundado e participativo da história mostra exatamente que não podemos lidar com o passado a partir de uma interpretação rápida e desligada das suas consequências. A realidade, passada ou presente, nunca é um fenômeno isolado que possa ser reduzido a simplificações ingénuas e perigosas, muito menos às tentativas daqueles que se julgam deuses perfeitos e onipotentes e querem apagar uma parte da história e da humanidade. É verdade que podem existir momentos horrendos e pessoas muito obscuras na humanidade, mas se o julgamento for feito sobretudo através dos meios de comunicação social, das redes sociais ou por mero interesse político, estamos sempre expostos à irracionalidade da raiva ou da emoção.