O Prof. Marcos Aurélio Fernandes, da UnB, vem nos oferecendo, nestes Cadernos Fé e Cultura, uma série de artigos sobre a mística e a espiritualidade de São Francisco de Assis e do franciscanismo. Nesta edição, propôs-nos uma interessante reflexão sobre o “paradoxo de São Francisco”, remetendo-nos ao livro escrito sobre ele por Gilbert Keith Chesterton (1874-1936). Nasceu daí a ideia de fazer esta edição dedicada ao grande escritor católico inglês.
Nos últimos anos, Chesterton se consolidou como um dos pensadores católicos mais populares no Brasil. Com isso, diversas editoras se interessaram em traduzir e publicar suas obras, vem sendo promovidos cursos e encontros voltados a suas ideias. Seu nome passou a figurar entre as referências de dezenas de trabalhos acadêmicos. Contudo, é preciso reconhecer: foi, principalmente, por meio das redes sociais que Chesterton se tornou um pensador conhecido no Brasil.
Nessas redes, as páginas voltadas à divulgação de trechos extraídos dos seus livros somam mais de 100 mil seguidores. Como muitos têm acesso aos escritos do pensador inglês apenas por meio dessas publicações, Chesterton passou a ser tratado como “um grande frasista”. Mas foi, na realidade, um autor prolífico. Escreveu dezenas de livros e milhares de artigos, com os mais variados temas, incluindo contos, romances, crítica literária, ensaios, biografias, etc. Como intelectual público, muito reconhecido ainda em vida, se posicionou e escreveu sobre os problemas sociais, sendo um dos grandes propositores do distributismo, baseado na Doutrina Social da Igreja, tema do artigo, neste Caderno, de Rhuan Reis do Nascimento.
Chesterton foi o mais famoso “apologeta” cristão do século XX. Nestes tempos, carregados de cancelamentos culturais e ressentimentos, criou-se contudo uma visão distorcida da apologética cristã, como se a defesa da fé tivesse que ser movida pela raiva e por discursos agressivos, voltados ao achincalhamento de quem não compartilha uma visão cristã de mundo. Chesterton não é assim. Sua ironia e mordacidade não é cáustica e destrutiva, mas carregada de alegria e até de um certo espírito fraterno. Seu mais famoso personagem, Padre Brown, o detetive, conseguia descobrir os criminosos porque se imaginava capaz de ser como eles. O verdadeiro defensor da fé não se considera melhor do que os outros, esforça-se para comunicar uma beleza, mesmo se precisa denunciar um erro.
Há poucos anos, o colunista Marcelo Coelho, declaradamente agnóstico, escreveu na Folha de S. Paulo: “Depois de tantos livros recentes a favor do ateísmo, ler uma defesa da religião católica pode ser desafio interessante – e acaba de ser publicado no Brasil um dos textos mais originais e vertiginosos que conheço sobre o assunto. Trata-se de Ortodoxia, escrito por G.K. Chesterton […] O que torna Ortodoxia fascinante é que seu autor não apela a nenhum dogmatismo para defender o dogma. Chesterton invoca apenas a sua intuição pessoal, o seu bom senso, a sua experiência da realidade… E, como sua intuição, seu bom senso e sua experiência da realidade não são os de um homem comum, mas sim os de um poeta e ficcionista, Chesterton acaba produzindo uma obra espantosa, tão cheia de paradoxos, encantamentos e implausibilidades quanto um romance de ficção científica ou um conto de literatura fantástica […] Chesterton não se dirige aos crentes e dificilmente persuadirá os descrentes. Ele não escreve para ateus ou religiosos, mas para outro tipo de pessoas: as pessoas felizes”.
Temos, então, um fio condutor pouco evidenciado que une São Francisco a Chesterton. Apesar das incontáveis diferenças entre o santo medieval e o irônico apologeta contemporâneo, ambos nos revelam um Cristianismo fascinante, um mundo inundado pela beleza do Mistério de amor que o criou. Como no livro citado no início dessa apresentação, o paradoxo do alegre defensor da fé, num mundo que abandonou o Cristianismo por medo justamente de perder sua alegria de viver, se encontra com o paradoxo do santo apaixonado pela pobreza, que fascina um mundo magnetizada pela riqueza.
Não poderíamos deixar de agradecer a Gabriel de Vitto, do site A outra via, Rodrigo Naimeyer dos Santos e à Sociedade Chesterton Brasil pela colaboração que tornou possível este Caderno.
Que o nosso encontro com as heranças deixadas tanto por São Francisco quanto por Chesterton represente uma ocasião para nos descobrirmos pessoas mais felizes.