O distributismo de Chesterton

Distanciando-se tanto do capitalismo quanto do comunismo, Chesterton abraçou um pensamento político e econômico alicerçado na Doutrina Social da Igreja, numa posição que nos ajuda a entender como as opções políticas dos católicos podem superar os partidarismos e polarizações de nosso tempo.

Com frequência, o escritor e jornalista inglês Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) é tratado como “um grande frasista”. De fato, de seus escritos saíram pérolas como: “Apaixonar-se por alguém é mais poético do que apaixonar-se pela poesia” ou “Há uma grande lição em A bela e a fera, que nos diz que algumas coisas precisam ser amadas antes de ser amáveis” (ambas do livro Ortodoxia, de 1910). Essas e outras frases de Chesterton, comumente encontradas em publicações de redes sociais ou em epígrafes de textos e cartas, tornaram o autor um dos intelectuais católicos mais conhecidos no Brasil.

Apesar da eficiência no que diz respeito à popularização do nome de um autor, há um grande risco de ser conhecido a partir de citações soltas. Tomemos, como exemplo, duas frases escritas por Chesterton sobre os problemas sociais de seu tempo: “o problema do comunismo é que ele apenas reforma o batedor de carteiras ao impedir a existência de bolsos” e “aquilo a que chamamos de capitalismo deveria chamar-se proletarismo” (ambas do livro The Outline of Sanity, de 1926).

Em um contexto de polarização ideológica, é possível que um leitor, diante da primeira frase, veja Chesterton como um defensor do capitalismo. De modo parecido, um indivíduo que leia a crítica de Chesterton ao capitalismo, exposta na segunda frase, pode, equivocadamente, lançar o autor inglês no balaio dos socialistas. Por isso, acreditamos que a propagação do pensamento chestertoniano deve ser acompanhada de um nível de aprofundamento que nos permita compreender minimamente como Chesterton via o mundo. Essa tarefa não é simples, uma vez que a obra do pensador inglês é numerosa e aborda uma grande quantidade de temas. Ainda assim, aceitamos o desafio de, por meio deste pequeno texto, apresentar as bases do ideal econômico defendido pelo autor: o distributismo.

Inspirado nos princípios apresentados pelo Papa Leão XIII na encíclica Rerum novarum (1891), o distributismo é uma teoria econômica e social que se opõe ao capitalismo e ao socialismo, e, como alternativa, defende uma sociedade composta por pequenos proprietários. Hilaire Belloc (1870-1953), historiador anglo-francês, foi o responsável pela elaboração do distributismo. Chesterton, por sua vez, foi quem mais escreveu textos e ministrou conferências sobre o tema. 

Os distributistas afirmam que os problemas sociais modernos têm como base a concentração da propriedade dos meios de produção nas mãos de poucos capitalistas. Desse modo, aqueles que não possuem terra, capital e máquinas – a maior parte da população – são obrigados a trabalhar para um proprietário em troca de salários quase sempre insuficientes. Por esse prisma, Chesterton escreveu que o capitalismo deveria receber o nome de “proletarismo”. Afinal, não se trata de um sistema no qual se verifica a abundância de capitalistas, mas sim a escassez. Os proletários – compreendidos tanto como “assalariados”, quanto como “aqueles que só possuem a prole” – é que são maioria.

Da mesma forma, os distributistas negam o socialismo, que é compreendido como uma intensificação do problema capitalista. Isso porque, diante de uma sociedade empobrecida pela concentração da propriedade em poucas mãos, os socialistas pretendem centralizá-la ainda mais, só que nas mãos do Estado. Assim, desejam resolver o problema da distribuição da propriedade privada proibindo a propriedade privada. Ou seja: buscam reformar o ladrão de carteiras proibindo os bolsos.

Tal como Leão XIII, os distributistas compreendem que a propriedade privada não deve ser negada, pois está em conformidade com o direito natural. Em contrapartida, sabem que a propriedade está sujeita à função social. Por isso, condenam a acumulação, que só beneficia os poucos proprietários, defendem que a propriedade deve ser acessível, em pequenas porções, ao maior número de pessoas possível.

Na perspectiva distributista, a propriedade não é um fim em si, mas uma condição para o exercício da liberdade. O homem que não possui os meios para sustentar a si e aos seus, tem a sua subsistência, e, por consequência, todas as suas escolhas sujeitas ao proprietário que o emprega ou ao Estado que o auxilia. Assim, advogar em prol da fragmentação e da difusão da propriedade é, para Chesterton, mais do que uma mera questão econômica, um imperativo para que os homens vivam de forma digna, democrática e feliz.

O livro organizado por A. Garcia da Silva e R.R. Nascimento, Distributismo: economia para além do capitalismo e do socialismo (Curitiba: Editora Appris, 2020), conta com a contribuição dos principais estudiosos do assunto no Brasil e oferece um roteiro para aqueles que quiserem conhecer as ideias econômicas de Chesterton para além de algumas frases soltas.

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