Educação: olhar para onde poucos olham

Existe, no mundo atual, uma “emergência educativa” (Bento XVI), a necessidade de um “pacto educativo global” (Papa Francisco). Em poucos momentos da história, as sociedades se deram conta de forma tão aguda de sua incapacidade de educar as novas gerações. E a Igreja universal tem se esforçado a dar uma resposta a essa necessidade premente.

Sergio Ricciuto Conte

No passado, a solução do proble­ma educacional era frequentemente reduzida a uma formação adequa­da para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais tecnológico e científico. Era “simplesmente” um problema de fornecer as habilidades necessárias para utilizar os novos re­cursos da sociedade tecnológica. Tal desafio não desapareceu, pelo con­trário, só aumenta com o surgimen­to da inteligência artificial. Contudo, os desafios foram se avolumando… A pandemia tornou evidente os pro­blemas de ansiedade, depressão e até suicídio, que só crescem entre nos­sos jovens. Depois, vieram as telas, a constatação de que o uso prolongado de videogames e redes sociais (agora disseminadas nos telefones celulares) está comprometendo tanto as habili­dades intelectuais quanto a sanidade mental dos jovens…

As respostas a tais problemas, contudo, refletem a superficialidade intrínseca a uma sociedade tecnoló­gica, que abdicou das questões mais essenciais do coração humano, re­legando-as à esfera do privado (no pensamento liberal) ou do ideológico (no marxismo). De um modo ou de outro, o problema acaba reduzido a tecnologias e disciplinas. O problema é tecnológico, dizem, grande ironia para quem sempre considerou a tec­nologia como fiel lacaia do modo de produção! Ou é disciplinar, outra iro­nia, agora para quem supunha que a autonomia do sujeito era a realização suprema do ideal de liberdade hu­mana! Mas o problema é ainda mais amplo…

As justas críticas às posições ide­ológicas ditas hegemônicas em nossa sociedade também não dão conta do problema. Mesmo que os desvios se­jam até óbvios em nossos tempos sa­turados de ideologia, temos que reco­nhecer – se desejamos ser realistas e sinceros – que posições ideológicas se fortalecem explorando as debilidades objetivas de seus adversários. Proble­mas concretos, sofrimentos reais, in­justiças objetivas alimentam as ideo­logias mais delirantes – sejam elas de direita ou de esquerda, progressistas ou conservadoras.

Há muito os pensadores mais agu­dos detectam uma crescente desuma­nidade no modo de ser e de pensar de nossa sociedade. Existe uma conjun­tura opressiva, que nos obriga a um trabalho cada vez mais incessante, em um mundo em que se vive para trabalhar, ao invés de trabalhar para viver. O próprio ideal do trabalho como realização da subjetividade hu­mana foi substituído pelo trabalho como instrumento para alcançar o sucesso – que é medido como poder e capacidade de consumir. Não sofre­mos apenas uma opressão externa, nossa vida interior é dominada por cobranças contínuas, por ideais de autorrealização que nada têm a ver com a realização humana da pessoa, mas apenas com ídolos de sucesso e consumo inculcados não só por dis­cursos ideológicos, mas pelo próprio contexto.

Vivemos hoje em uma “socieda­de do cansaço”, na expressão cunha­da por Byung-Chul Han, com uma juventude cada vez mais insegura e ansiosa, na qual vicejam movimentos descrentes na ciência e na democra­cia. Uma educação para tal tempo não pode se orientar apenas pela negação de certas ideologias ou pelo uso mais consciencioso de certas tec­nologias, como o telefone celular. Ela precisa recuperar todo o seu real va­lor emancipador e humanizador. Até mesmo o sucesso da educação para a profissionalização do indivíduo e para a construção da vida social passa por essa recuperação. A contradição entre abertura para o novo e reafir­mação do velho precisa ser superada com um realismo que reconheça as incoerências e as feridas da humani­dade, ao mesmo tempo que propõe a tradição como “salvaguarda do futu­ro e não como museu, guardião das cinzas” (FRANCISCO. Discurso à Cúria Romana para as felicitações de Natal, 21/dez/ 2020).

Para iluminar a educação, a fé deve expressar-se como um grande amor, uma paixão que faz com que toda a realidade se torne deslum­brante. Uma posição humana que o Papa Francisco identifica em Pascal: “Parece-me poder reconhecer nele uma atitude de fundo, que definiria como ‘abertura maravilhada à reali­dade’, que é abertura às outras dimen­sões do saber e da existência, abertura aos outros, abertura à sociedade” (cf. também o Caderno Fé e Cultura de agosto/2023)

Neste Caderno Fé e Cultura apre­sentamos educadores, de diferentes origens, que ajudam a recuperar um olhar mais profundo, pouco frequen­te entre nós, sobre os desafios da educação. Esperamos que eles nos ajudem a uma leitura mais integral, desafiadora – mas profundamente humana e realista – do desafio educa­cional em nossos tempos.

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