Existe, no mundo atual, uma “emergência educativa” (Bento XVI), a necessidade de um “pacto educativo global” (Papa Francisco). Em poucos momentos da história, as sociedades se deram conta de forma tão aguda de sua incapacidade de educar as novas gerações. E a Igreja universal tem se esforçado a dar uma resposta a essa necessidade premente.

No passado, a solução do problema educacional era frequentemente reduzida a uma formação adequada para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais tecnológico e científico. Era “simplesmente” um problema de fornecer as habilidades necessárias para utilizar os novos recursos da sociedade tecnológica. Tal desafio não desapareceu, pelo contrário, só aumenta com o surgimento da inteligência artificial. Contudo, os desafios foram se avolumando… A pandemia tornou evidente os problemas de ansiedade, depressão e até suicídio, que só crescem entre nossos jovens. Depois, vieram as telas, a constatação de que o uso prolongado de videogames e redes sociais (agora disseminadas nos telefones celulares) está comprometendo tanto as habilidades intelectuais quanto a sanidade mental dos jovens…
As respostas a tais problemas, contudo, refletem a superficialidade intrínseca a uma sociedade tecnológica, que abdicou das questões mais essenciais do coração humano, relegando-as à esfera do privado (no pensamento liberal) ou do ideológico (no marxismo). De um modo ou de outro, o problema acaba reduzido a tecnologias e disciplinas. O problema é tecnológico, dizem, grande ironia para quem sempre considerou a tecnologia como fiel lacaia do modo de produção! Ou é disciplinar, outra ironia, agora para quem supunha que a autonomia do sujeito era a realização suprema do ideal de liberdade humana! Mas o problema é ainda mais amplo…
As justas críticas às posições ideológicas ditas hegemônicas em nossa sociedade também não dão conta do problema. Mesmo que os desvios sejam até óbvios em nossos tempos saturados de ideologia, temos que reconhecer – se desejamos ser realistas e sinceros – que posições ideológicas se fortalecem explorando as debilidades objetivas de seus adversários. Problemas concretos, sofrimentos reais, injustiças objetivas alimentam as ideologias mais delirantes – sejam elas de direita ou de esquerda, progressistas ou conservadoras.
Há muito os pensadores mais agudos detectam uma crescente desumanidade no modo de ser e de pensar de nossa sociedade. Existe uma conjuntura opressiva, que nos obriga a um trabalho cada vez mais incessante, em um mundo em que se vive para trabalhar, ao invés de trabalhar para viver. O próprio ideal do trabalho como realização da subjetividade humana foi substituído pelo trabalho como instrumento para alcançar o sucesso – que é medido como poder e capacidade de consumir. Não sofremos apenas uma opressão externa, nossa vida interior é dominada por cobranças contínuas, por ideais de autorrealização que nada têm a ver com a realização humana da pessoa, mas apenas com ídolos de sucesso e consumo inculcados não só por discursos ideológicos, mas pelo próprio contexto.
Vivemos hoje em uma “sociedade do cansaço”, na expressão cunhada por Byung-Chul Han, com uma juventude cada vez mais insegura e ansiosa, na qual vicejam movimentos descrentes na ciência e na democracia. Uma educação para tal tempo não pode se orientar apenas pela negação de certas ideologias ou pelo uso mais consciencioso de certas tecnologias, como o telefone celular. Ela precisa recuperar todo o seu real valor emancipador e humanizador. Até mesmo o sucesso da educação para a profissionalização do indivíduo e para a construção da vida social passa por essa recuperação. A contradição entre abertura para o novo e reafirmação do velho precisa ser superada com um realismo que reconheça as incoerências e as feridas da humanidade, ao mesmo tempo que propõe a tradição como “salvaguarda do futuro e não como museu, guardião das cinzas” (FRANCISCO. Discurso à Cúria Romana para as felicitações de Natal, 21/dez/ 2020).
Para iluminar a educação, a fé deve expressar-se como um grande amor, uma paixão que faz com que toda a realidade se torne deslumbrante. Uma posição humana que o Papa Francisco identifica em Pascal: “Parece-me poder reconhecer nele uma atitude de fundo, que definiria como ‘abertura maravilhada à realidade’, que é abertura às outras dimensões do saber e da existência, abertura aos outros, abertura à sociedade” (cf. também o Caderno Fé e Cultura de agosto/2023)
Neste Caderno Fé e Cultura apresentamos educadores, de diferentes origens, que ajudam a recuperar um olhar mais profundo, pouco frequente entre nós, sobre os desafios da educação. Esperamos que eles nos ajudem a uma leitura mais integral, desafiadora – mas profundamente humana e realista – do desafio educacional em nossos tempos.